Marketplace: estratégias, negociação e compartilhamento de vendedores

Marketplaces intermedeiam vendedores e consumidores, e a maioria deles disputa a preferência dos consumidores com ofertas próprias em concorrência com vendedores a eles associados. Este artigo versa sobre a relação entre marketplace e seus vendedores, considerando os conflitos implícitos nesta relação que, ao mesmo tempo, é de prestação de serviço e de concorrência. Abordo os seguintes temas: diretrizes comerciais dos markeplaces refletidas nos departamentos em que atuam com mercadorias próprias; fatores atuantes na negociação vendedores – marketplaces e características dos vendedores comuns aos marketplaces.

A título de esclarecimento, inicialmente são enumerados vários pressupostos desenvolvidos em outros artigos, eles permeiam o texto. Em seguida, há um breve histórico da inclusão de vendedores nos marketplaces e da evolução deste relacionamento em termos de seleção e controle, bem como do amadurecimento das políticas comerciais das lojas que patrocinam os marketplaces (loja âncora). É importante ressaltar que os dados usados no artigo têm como origem as ofertas públicas dos marketplaces da Americanas, Extra, Walmart e Magazine Luiza extraídas pela Precifica em dezembro de 2018.

Pressupostos

Este texto faz uso de alguns pressupostos experimentalmente confirmados e mencionados em artigos precedentes: (i) a quantidade de ofertas dos vendedores se constitui num bom estimador de seu porte; (ii) grandes vendedores não se especializam, operam em muitos departamentos e com grande variedade, por exemplo no Extra.com, os  vendedores que são responsáveis por 80% das ofertas operam, em média, em 10 departamentos; (iii) vendedores de grande porte têm alta probabilidade de serem líderes em preço e reputação; (iv) a probabilidade do consumidor selecionar o vendedor ocupante da liderança em preço e reputação é de 80%, ou seja, os vendedores de grande porte lideram a conversão e (v) cada marketplace tem sua própria estrutura de mercadorias (departamentos e categorias) dificultando a comparação das variáveis (vendedores, SKU e ofertas) entre eles.

Introdução

Inicialmente, os marketplaces prospectaram vendedores de forma indiscriminada, bebendo na caudalosa fonte do Mercado Livre. Divididos por departamentos, os gerentes de conta dos marketplaces eram avaliados segundo metas periódicas centradas na quantidade de vendedores contratados e pela correspondente quantidade de SKU’s a serem cadastrados. Pela inexistência de histórico de vendas de mercadorias de terceiros, a qualidade do serviço de fulfillment e do atendimento pós-venda não foram considerados. Também não foi considerada a complementariedade em relação ao sortimento da loja âncora – qualquer SKU era bem-vindo.

Com a prática, o método de avaliação dos vendedores vem sendo aperfeiçoado, assim como recursos necessários à escolha dos SKU’s objetos de suas ofertas próprias. Com base nestas informações, os marketplaces lograram reduzir: (i) o custo operacional pelo aumento da produtividade no atendimento pós-venda[1], por liberar áreas de armazenamento e reduzir mão de obra na logística interna; (ii) o capital de giro por enxugar o portfólio de mercadorias próprias; (iii) a despesa administrativa por reduzir compradores.

Municiados pela experiência, os marketplaces ganharam as condições necessárias para estabelecer diretrizes concernentes aos seus departamentos: (i) onde atuar como lojista; (ii) onde operar apenas com terceiros e (iii) onde reforçar as ofertas com agregação de vendedores de grande porte.

Diretrizes comerciais dos marketplaces

Do mesmo modo que o comércio eletrônico consegue traçar o perfil de seus consumidores por meio de seus hábitos de compra, também é possível conhecer algumas das diretrizes dos marketplaces por meio das suas escolhas operacionais, isto é, onde se concentram suas ofertas próprias e onde intensificam a concorrência interna para forçar a redução de preço.

Ofertas próprias coincidentes com o portfólio da rede de lojas

No caso de loja âncora pertencente ao um grupo com lojas físicas, os departamentos escolhidos para ofertas próprias, em geral, coincidem os departamentos das lojas físicas. Isso aumenta a pressão sobre os fornecedores pelo aumento do volume de compras e estende a abrangência de vendas para onde não há filiais[2]. Os demais departamentos, em geral, caracterizados por terem menor margem, são destinados às ofertas de terceiros.

Há lojas âncora intimamente associadas a alguns departamentos. Tal associação restringe a expansão dos departamentos e, por isso, a inclusão de vendedores. Na mente dos consumidores, novos departamentos associados podem não se coadunar com a imagem da loja âncora[3]. A violação desta associação pelo marketplace pode ser feita com ofertas próprias suportando o alto custo do noviciado ou com ofertas de terceiros – em ambos os casos, com alto custo em propaganda.

Combate à concorrência

Trata-se da inclusão, mesmo a contragosto, de ofertas próprias em departamentos em que os concorrentes mantêm a liderança, expandindo a diversidade da oferta.

Promover a concorrência interna[4]

O fundamento é baixar preços pela reunião do máximo de vendedores ofertando um mesmo SKU, convenientemente classificados por preço e reputação. Esta agregação de ofertas por SKU é fortemente estimulada pelos marketplaces e, com a mesma intensidade, é evitada pelos vendedores por meio de vários artifícios. Embora seja uma diretriz majoritária, há exceções: não está claro se a recusa de alguns marketplaces em estimular a concorrência interna deve-se a um princípio ético ou a uma dificuldade técnica[5]. Como veremos, a relutância em promover a concorrência interna torna-se inócua pelo uso dos sites de pesquisa de preço e pelo fato dos vendedores mais importantes operarem em vários marketplaces.

Quantidade de vendedores por departamento

Como saber se número de vendedores por departamento está adequado se o conceito de saturação de mercado implica a presunção de um território delimitado? Para complicar o problema, os vendedores são muito desiguais entre si, pois, como veremos, as ofertas são altamente concentradas em poucos vendedores, independentemente do marketplace e do departamento. Para verificar se há grande diferença na quantidade de vendedores por departamento entre os marketplaces, pode-se contornar a arbitrariedade na classificação dos SKU’s pela seleção de alguns departamentos em que há mais tradicionais.

No quadro abaixo, nota-se que a participação proporcional dos vendedores nos departamentos praticamente independe do marketplace, sugerindo que se trata de um fenômeno de mercado.

% dos vendedores dos marketplace por departamento
Livraria Americanas Extra Magazine Walmart
Departamentos 21%

18%

13%

22%

Automotivo 8%

7%

5%

8%

Instrumentos Musicais 22%

26%

25%

31%

Esporte e lazer 17%

16%

14%

18%

Brinquedos 22%

25%

17%

28%

Utilidades domésticas 6%

6%

8%

7%

Eletrodomésticos 6%

7%

3%

7%

Fatores atuantes na negociação vendedores – marketplaces

Audiência do marketplace

Quanto maior a audiência do marketplace, maior seu poder de pressão sobre os vendedores. A audiência decorre de investimentos da loja âncora em propaganda ao longo do tempo e, considerando sua participação no mercado, sua capacidade em continuar investindo. Este poderio atrai vendedores, mesmo levando em conta a alta taxa de comissão. Sem menosprezo à tecnologia, a audiência é a maior barreira de entrada no mercado de marketplaces.

Concorrentes preexistentes

Do ponto de vista do vendedor, vale mais a pena fazer parte de um marketplace de grande audiência, portanto com muitos concorrentes de todo porte, ou disputar a preferência com menos concorrentes num marketplace com menor audiência? Esta decisão, do ponto de vista do vendedor não é simples, pois de pouco adianta manter ofertas onde não se vende. Porém, onde se vende, a intensidade da concorrência implica, na melhor hipótese, a redução de margem.

Grau de facilidade, rapidez e precisão da publicação e manutenção das ofertas

Os serviços de inclusão de mercadorias e a manutenção de preços das ofertas vigentes oneram os vendedores (tempo e mão de obra qualificada), razão pela qual interfaces amigáveis atraem vendedores. Além disso, quanto mais curto for o prazo entre a remessa cadastral e a subida das ofertas, maior será a preferência dos vendedores. Tais serviços são dependentes do sistema de informações que suporta o marketplace. Como a inclusão da venda de mercadorias de terceiros foi posterior à venda exclusiva de mercadorias próprias, muitas das lojas âncora têm pago alto preço em adaptar seus sistemas devido à rigidez de suas premissas originais.

Serviços oferecidos pelos marketplaces

A oferta de serviços complementares aos vendedores, tais como monitoramento de preços dos concorrentes internos e relatórios demonstrativos de desempenho comercial, diferenciam os marketplaces. Eles facilitam ajustes na precificação e no portfólio dos vendedores.

Taxa de comissão

Fator decisivo, constituindo-se no “valor de compra” do vendedor pelo marketplace.
Dado que o vendedor seja adequado à estratégia do marketplace, quanto maior o porte do vendedor, menor será a comissão. Obviamente, este procedimento compensa a perda do valor comissão pelo aumento volume do faturamento e/ou pela redução da participação de mercado dos concorrentes. É fácil notar como este proceder alenta a concentração comercial alienando os pequenos vendedores.

Grau de maturidade comercial e técnica do vendedor no e-commerce

A experiência do vendedor no varejo virtual mensura o esforço do marketplace em tê-lo como associado. Vendedores imaturos aumentam os custos de atendimento e a probabilidade de perda de consumidores. No entanto, a recíproca nem sempre é verdadeira, pois vendedores maduros e de grande porte, em geral, são refratários à exclusividade ou cobram um preço alto por ela.

Grandes marcas agregam audiência ao marketplace

O poder da marca do vendedor reduz a taxa de comissão.

Trata-se de uma transposição da liderança do varejo tradicional para o virtual. As grandes marcas demoraram a lançar suas lojas virtuais e consideraram vulgar competir em marketplaces. Este preconceito vem diminuindo pelo acentuado crescimento das vendas dos marketplaces e pelo amadurecimento de estratégias orientadas para diferentes canais de venda.

Características dos vendedores dos marketplaces

“Loja de departamento dentro dos marketplaces”

Ao iniciar este tema, é preciso ressaltar as dificuldades interpostas pela Olist. Ela dificulta a análise dos dados por reunir centenas de vendedores sob uma única representação e, como mediadora entre lojistas e marketplaces, impede que os últimos avaliem individualmente parte de seus vendedores e desnorteia a concorrência interna pelo desconhecimento do concorrente. Em outros termos, ela reduz a capacidade de gerenciamento e controle dos marketplaces. Com isso, é razoável afirmar que quanto maior for a presença deste tipo de mediador, menor será a autonomia do marketplace. O quadro abaixo mostra a relevância da Olist por marketplace:

Participação da Olist no total de ofertas
Americanas Extra Walmart
2,8%

4,7%

6,1%

Ofertas altamente concentradas em poucos vendedores

A despeito do contínuo aumento dos vendedores, a concentração das ofertas em poucos vendedores se mantém inalterada e independente dos marketplaces. Este fenômeno, como mostra o quadro abaixo, além de ser uma característica de mercado[6], indica que a qualidade dos vendedores é mais importante do que a quantidade deles.

80% dos SKU estão concentrados em poucos vendedores
Marketplace Americanas Extra Walmart Magazine
% dos vendedores 13%

11%

12%

10%

Exclusividade dos vendedores

Os marketplaces se diferenciam pelo grau de exclusividade dos vendedores: quanto menor for a quantidade de vendedores de um marketplace, menor será a quantidade de seus vendedores que são lhe são exclusivos.

Vendedores ativos exclusivos em %
Americanas Extra Walmart Magazine
84%

66%

45%

52%

Os vendedores individuais[7] que atuam em mais de um marketplace

Numa analogia, poderíamos admitir que um marketplace funcione como um “ponto de venda”. Assim, tal como na rede física, um dos meios em uso para aumentar o faturamento é expandir seus pontos de venda, no caso, fazer parte de outros marketplaces. Tal expansão vem sendo muito facilitada pelos serviços de diversos tipos de integradores.

A seguir, são destacadas algumas das características dos vendedores que operam em dois ou mais dos marketplaces analisados.

  • Têm participação proporcional mais expressiva nos marketplaces com menos vendedores
    No quadro abaixo, como exemplo, os clientes comuns entre Americanas e Extra representam 7% dos vendedores da Americanas e 23% dos vendedores do Extra[8];
% Vendedores comuns entre marketplaces
Marketplaces Americanas Extra Magazine Walmart Comuns
Americanas

7%

6%

8%

1%
Extra
23%

11%

16%

3%
Magazine
39%

23%

25%

7%
Walmart
34%

21%

16%

5%
  • São de porte superior à média dos demais, independente dos marketplaces em que operam.
    No quadro abaixo, tomando o Extra como exemplo, a média das ofertas de seus vendedores comuns com a Americana é 57% superior à média de todos os seus vendedores. O Magazine é uma exceção à regra:
% das ofertas dos vendedores comuns em relação à média
Marketplaces Americanas Extra Magazine Walmart Comuns
Americanas

135%

132%

8%

127%
Extra
157%

220%

16%

231%
Magazine
70%

97%

25%

94%
Walmart
123%

208%

158%

  • São de grande porte
    Característica que pode ser comprovada pela participação destes vendedores no total das ofertas dos marketplaces aos quais estão associados.
  • Mantém o porte independentemente dos marketplaces em que atuam
    Os vendedores comuns mantêm a quantidade de ofertas relativamente estável entre os marketplaces em que participam. Isto pode ser notado pela alta correlação positiva entre as ofertas dos vendedores comuns entre os marketplaces tomados dois a dois;
  • Ramos de atividades dos 146 vendedores comuns aos quatro marketplaces.
    São revendedores que operam em ramos com alta diversidade e variedade de mercadorias com baixo nível tecnológico: Cama, Mesa e Banho, Alimentos, Beleza e Perfumaria, Ferramentas, Pneus, Brinquedos, Bebê etc,

Fernando Di Giorgi
Abril de 2019

[1] Decorrente da classificação dos vendedores por reputação.

[2] Mesmo com esta evidente vantagem, é importante ressaltar que, com exceções, há sérias dificuldades sistêmicas e organizacionais para que o estoque e compras sejam compartilhados entre todos os canais de venda.

[3] Este é o caso de loja virtual especializada (por exemplo, material esportivo ou vestuário) que se transforma em marketplace, forçando a criação de uma nova marca.

[4] Por SKU, classificar os vendedores por preço e reputação

[5] Rigidez do sistema de back-office

[6] Independe do marketplace.

[7] Refere-se aos vendedores que não operam sob a representação de uma loja de departamento dentro dos marketplaces

[8] Ler, horizontal da esquerda para a direita, vertical, de cima para baixo

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