Um marketplace virtual é um espaço que congrega vendedores cujas ofertas estão classificadas por artigo (SKU). O acesso do consumidor a um determinado SKU é realizado por meio da pesquisa pela sua denominação ou trafegando por convenientes departamentos e categorias. O locus da concorrência passa a ser o subespaço do mercado circunscrito pelo SKU escolhido, nele os vendedores disputam a preferência do consumidor. Este artigo se propõe a discutir as particularidades concorrenciais deste mercado sob diversos aspectos agora centrado em cada SKU simultaneamente oferecido por muitos vendedores[1].
Este artigo, tendo como base uma amostragem de um grande marketplace nacional, considera apenas marketplaces horizontais e ancorados numa loja[2]. Nele, serão expostos temas preliminares básicos como a insuficiência da análise por tradicionais segmentos de mercado (departamentos e categorias), distribuição dos SKU, vendedores ativos, definição de oferta e sua validade necessários à análise das ofertas sob diversos enfoques (SKU, vendedor e preço mínimo).
Por fim, o artigo aborda a distribuição dos vendedores por ranking e as vantagens competitivas da loja que ancora o marketplace.
Especificidade de linguagem e de critérios de classificação das mercadorias
A qualidade da classificação de mercadorias (SKU) em departamentos e categorias numa loja virtual afeta diretamente o tempo de pesquisa gasto pelo consumidor para encontrar uma determinada mercadoria. Além disso, a classificação das mercadorias é usada para definir a estrutura organizacional da área comercial.
O objetivo central da classificação é maximizar a unicidade de significado de cada um de seus elementos constitutivos de uma hierarquia. Se considerarmos que os marketplaces possuem em torno de 40 departamentos, subdivididos em 400 categorias e com inclusão diária de centenas de SKU, a conceituação da estrutura torna-se muito difícil.
A dubiedade de significados dos conjuntos, a confusão conceitual entre departamento e categoria e erros de inserção de SKU’s são muito frequentes. Estatísticas baseadas nestes aglomerados tornam-se pouco representativas.
Se admitirmos que a estruturação das mercadorias é própria de cada marketplace, que departamentos e categorias sejam segmentos deste mercado e que a codificação dos itens (SKU’s) também seja específica, a análise comparativa entre markeplaces fica parcialmente prejudicada. Esta dificuldade de linguagem entre os markeplaces restringe o campo de análise a cada um deles em particular.
A dispersão das categorias e dos SKU’s
As categorias não têm distribuição homogênea por departamento, elas são altamente concentradas. Perto de 80% das categorias estão associadas à 20% dos departamentos, entre estes, destacam-se: Brinquedos, Celulares, Artigos para Bebês, Eletrodomésticos, Esporte e Lazer, Móveis e Eletroportáteis.
A maioria dos departamentos tem menos do que três categorias. Analogamente, os SKU estão concentrados nos departamentos nos quais há mais categorias e nas mesmas proporções.
Vendedores
Incessantemente, os marketplaces empenham-se em adicionar novos vendedores a sua base, especialmente aqueles cujas mercadorias expandem a variedade das ofertas ou fomentam a concorrência objetivando a redução de preço de venda a fim de atrair clientes.
Normalmente, a contagem de vendedores de um marketplace se baseia nos que estão cadastrados, ou na melhor das hipóteses, com contratos vigentes. Porém, há muitos vendedores cadastrados nos marketplaces sem ofertas válidas, ou seja, sem qualquer oferta ou com ofertas sem disponibilidade de estoque. Levando em conta apenas aqueles que têm pelo menos uma oferta válida, a quantidade de vendedores é inferior à comumente alardeada.
Oferta
Uma oferta pode ser definida como a dupla vendedor-SKU a qual estão associados os seguintes atributos: preço unitário, frete (dependente do CEP de destino), prazo de entrega, reputação, ranking e condições de pagamentos.
Ao explorar as ofertas de um marketplace, algumas das ofertas devem ser descartadas, entre elas aquelas com SKU esgotado ou, no caso de omitir a indisponibilidade, o vendedor eleva desmesuradamente o preço ou o frete. Elas permanecem vigentes, mas sem qualquer chance de venda, enviesando todas as estatísticas sobre a concorrência.
SKU
O comércio eletrônico neutralizou a maioria dos fatores que tradicionalmente limitavam a ampliação da variedade da oferta ao prescindir do ponto físico de venda, ao centralizar o estoque em grandes centros de distribuição e ao aumentar continuamente a produtividade dos processos logísticos internos.
Com a incorporação de ofertas de mercadorias de propriedade de terceiros, a expansão da variedade, em tese, tornou-se ilimitada, exceto devido às restrições impostas pela relação valor da mercadoria-frete e as dificuldades logísticas com mercadorias perecíveis. Paralelamente à extensão da variedade, as lojas que ancoram os marketplaces têm fortemente e seletivamente reduzido suas ofertas de mercadorias próprias.
Classificação das ofertas num marketplace
As ofertas referentes a um SKU num marketplace são ordenadamente expostas ao consumidor. Tal sequenciamento, em linhas gerais, considera a ordem crescente do preço unitário e decrescente da reputação.
Os critérios usados para designar a reputação são próprios de cada marketplace e são dependentes do desempenho pregresso de cada vendedor (prazo de entrega, qualidade do atendimento pós-venda etc.). Em geral, tais critérios não são muito transparentes[3].
Com pouca chance de erro, pode-se admitir que a oferta que encabeça a apresentação (buy box) tem a preferência do consumidor, constituindo-se numa proxy da venda.
Ofertas por SKU
Tradicionalmente, a jornada de compra se inicia com a escolha da loja especializada na mercadoria desejada (alimento, vestuário, calçado, livros, papelaria, medicamentos, móveis etc.) e, em seguida, dentro da loja, o consumidor refina suas escolhas entre a gama de ofertas disponíveis.
No marketplace, a jornada de compra passou a ser diferente. O consumidor inicia sua jornada buscando diretamente o SKU desejado sem antes passar pela loja. Uma vez acessada a oferta, somente a partir dela é que se pode acessar as demais ofertas do vendedor escolhido. Numa analogia, seria um shopping center com dezenas de milhares de “lojas”, cada uma delas especializada somente num SKU.
Esta mudança tem profundas consequências: (i) a competição passou a ser baseada exclusivamente em preço e reputação, eles sintetizam a “visibilidade” do vendedor; (ii) a variedade da oferta deixou de ser um diferencial, pois, é possível ser competitivo com ofertas exclusivamente dirigidas a poucos artigos; (iii) a marca do vendedor perdeu relevância dado que todas as ofertas têm a chancela do marketplace; (iv) o foco concorrencial passou a ser o SKU associado ao serviço de atendimento; (v) grosso modo, pode-se medir este novo ambiente concorrencial a partir da quantidade de ofertas válidas referentes a cada um dos SKU’s, assim um SKU será muito concorrido se muitos vendedores o estiverem ofertando simultaneamente.
A redução dos fatores competitivos mencionados, a possibilidade de vender somente tendo existência legal para tanto e a disponibilidade de software de mediação com marketplaces facilitam a entrada de novos vendedores sem muitas das habilidades comerciais tradicionais.
O rebaixamento das barreiras de entrada num mercado implica o aumento da concorrência e, geralmente promove sua concentração. Tal movimento tende a ser acelerado nos marketplaces devido à sua dupla função: um buscador de preço e um ponto de venda. Como buscador de preço, reúne, classifica e exibe simultaneamente todas a ofertas de um mesmo SKU e, como ponto de venda, permite diretamente a compra. Como uma das vantagens competitivas no comércio é o poder de compra, é óbvio que os grandes vendedores terão maiores condições de ocuparem as melhores posições em termos do preço de venda.
Ofertas por vendedores
Desconsiderando os “concentradores de ofertas” – empresas integram ofertas de muitos pequenos vendedores com vários marketplaces -, a quantidade de ofertas de um vendedor num marketplace é um indicativo da extensão da diversidade de suas mercadorias. Quanto maior a diversidade do vendedor, maior o valor de seu estoque médio, portanto, a diversidade pode ser considerada como proxy do porte do vendedor. Todavia, como vimos, o contrário não é verdadeiro, pois o vendedor, mesmo tendo ampla diversidade de mercadorias disponíveis, pode optar por competir com parte delas.
O grande varejo físico, entre outros atributos, possui grande variedade de ofertas e conta com maior poder computacional. Como este último é determinante no varejo eletrônico, a extensão de suas ofertas dos grandes varejistas no comércio eletrônico passa a ser uma decorrência natural. Assim, é razoável concluir que o marketplace tende a radicalizar a concentração preexistente no mercado varejista em geral: poucos vendedores com grande quantidade de ofertas e muitos vendedores com poucas ofertas.
Ofertas por preço mínimo
A distribuição das ofertas por preço unitário no marketplace é bimodal: forte concentração de ofertas com preços baixos e outra concentração, bem menor, de ofertas com preços altos. Tal fenômeno embute a escassez e o custo do capital[4] combinado com a grande desigualdade de renda de nossa sociedade.
Artigos “populares” tendem à predominância nos marketplaces – SKU’s com alta incidência do frete sobre o valor faturado passaram a ser objeto de ofertas dos pequenos vendedores[5]. Tal constatação vem explicar o grande esforço do varejo virtual na redução de custos na logística externa, pois, quanto menor o valor da mercadoria, maior a participação do frete no preço final ao consumidor.
A distribuição dos vendedores por ranking
Excluindo os SKU’s com até duas ofertas e classificando os vendedores por porte (segundo a quantidade de ofertas), quanto maior for o porte do vendedor, maior será sua liderança de preço. Em outros termos, o grupo minoritário de varejistas ocupa a grande maioria das posições buy box. Indo mais longe, se considerarmos as três melhores classificações, este grupo se alterna e não se altera. Os grandes são os primeiros em preço, mau sinal para os pequenos e médios vendedores.
Vantagens da loja que ancora o marketplace
Dada uma margem média a ser atingida, uma habilidade comercial que transcende canais é saber o que e quanto comprar a fim de aumentar a rotação do estoque. Como a aquisição da mercadoria precede a venda, a incerteza na compra está na base do risco comercial: estoques invendáveis ou perda de venda por falta de mercadoria. Na redução desta incerteza reside o uso (desregulado) de dados privados das pessoas e investimentos em inteligência artificial para a identificação de perfiz de preferências ou risco.
Uma loja que ancora um marketplace goza de privilégios que nenhum dos demais vendedores possui: o conhecimento da demanda de todos os SKU ofertados pelos seus vendedores e todos os seus respectivos consumidores. Isto gerou enorme assimetria de informação. A loja âncora passou a saber muito mais sobre o mercado e o desempenho de todos os seus vendedores e a eles nenhuma informação foi acrescida, exceto ficarem tensionados pelo amplo conhecimento das ofertas de seus concorrentes diretos. Além disso, os vendedores perderam o relacionamento direto com seus clientes. Todo marketplace é reticente quanto ao assunto, porém eles operam com a convicção de que quem compra em seus sites são seus clientes e não de quem mantém estoque, separa, fatura e entrega a mercadoria.
O saber comprar para bem vender, fruto de uma sabedoria calcada em experiências acumuladas ao longo de anos, passou a ser mera decorrência informacional da intermediação comercial. No curto prazo, o conhecimento dos SKU’s com alta probabilidade de venda, associado ao alto poder de compra, confere à loja âncora uma enorme vantagem na escolha de seu portfólio[6]. Ao competir com os demais vendedores, a loja âncora pode selecionar as mercadorias com maior probabilidade de venda e ser competitiva ao galgar a posição buy box fazendo uso de seu poder de compra[7].
Fernando Di Giorgi
Agosto de 2018
[1] Logicamente, não há sentido em falar em concorrência por SKU caso ele seja um produto de uma marca com distribuição exclusiva. O que ajuda a entender a grande incidência de oferta única, ou seja, um SKU somente com um ofertante.
[2] Uma loja ancora um marketplace quando ele é sua proprietária e vende mercadorias próprias por meio dele
[3] Um exemplo disso é o realce feito por muitos articulistas a respeito da importância do relacionamento vendedor- gerente de conta do marketplace.
[4] Quanto maior for o preço unitário, maior o capital comercial empregado pelo lojista.
[5] Há exceções, principalmente de itens, exclusivamente ofertados pela loja âncora, com valor unitário baixo e alta margem e boa procura.
[6] A reduzir da diversidade de mercadorias próprias gerou ociosidade na logística interna dos marketplaces, fomentando a oferta do serviço de fulfillment.
[7] Descontos por quantidade e maior facilidade de crédito no preço de aquisição.