O canal de venda marketplace

O artigo visa fomentar a discussão sobre o relacionamento lojistas-marketplaces, principalmente em termos de lucratividade e de imagem. Foi particularmente orientado à análise dos custos de cada um dos canais e suas consequências sobre o nível de vendas, estando longe da pretensão de esgotar o assunto. Ao final, o artigo arrisca-se identificar algumas tendências de mercado, considerando o marketplace como um estágio evolutivo do comércio eletrônico.

Introdução

Há um ganho de escala quando um acréscimo nos fatores resulta em acréscimo superior no nível de produção. Especificamente para o comércio, quando, mantido o preço de venda, um aumento da quantidade vendida aumenta o lucro.

O ganho de escala pressupõe uma determinada estrutura de custos, desta forma, quando a expansão das vendas se realiza através de canais com diferentes estruturas de custos, o ganho de escala deve ser analisado considerando os custos próprios de cada um deles. Isso se aplica à análise da rentabilidade das vendas diretas dos lojistas e aquelas realizadas por meio do marketplace ao mesmo preço final.

Para tanto, seguem os custos diferenciais entre as vendas diretas pela loja e as vendas realizadas via marketplace:

Custos diferenciais

Comissão sobre as vendas

A comissão cobrada pelo marketplace não é uniforme, tendo relação direta com o volume de tráfego da loja âncora e inversa com: a complementaridade e variedade do sortimento em relação às categorias da loja âncora; a capacidade operacional do lojista e o conhecimento de sua marca.

Os serviços prestados pelo marketplace incorporados à comissão sobre as vendas são: a difusão da oferta, a análise de fraude, o custo financeiro da cobrança e o primeiro atendimento. Um dos argumentos de venda dos marketplaces é de que os custos cobertos pela comissão seriam maiores se fossem feitos pelo próprio lojista.

Por outro lado, a argumentação dos lojistas seria que o aumento do volume de vendas do marketplace por meio de mercadorias de terceiros, certamente reduziria todos os seus custos unitários. Portanto, o raciocínio deveria ser feito a partir dos custos do marketplace e não do lojista. Ademais, os lojistas promovem duas contribuições não consideradas: o aumento do tráfego por meio da expansão da variedade da oferta[1], a pressão exercida sobre o preço final de venda via buy box e a se apropriação do valioso conhecimento demanda.

Integração loja-marketplace

São específicos de cada marketplace: o processo de integração e as estruturas de categorias, dos dados dos itens, das regras de cobrança de frete e dos prazos de entrega. Assim, os dados transmitidos pelos lojistas devem ser complementados, rearranjados e formatados segundo os padrões preestabelecidos pelo marketplace.

Trata-se de um serviço adicional que deve ser ainda complementado com o contínuo monitoramento do preço e da concorrência dentro de cada marketplace.

Se tais tarefas fossem simples, então não haveria mercado para softwares que se dedicam somente à integração loja-marketplace, nem cobrança adicional à licença de uso do software de webstore. Isso poderia explicar porque perto de 50% dos lojistas estão associados a um único marketplace[2], contrariando a hipótese natural de que a infidelidade aos marketplaces seria uma forma de proteção dos lojistas. Este custo de interface, em geral, é desconsiderado.

Capital de Giro

O financiamento dos fornecedores ao lojista (prazo de pagamento), o financiamento dos lojistas aos consumidores (prazo de recebimento) e o custo de estoque constituem o que considero capital de giro.

O custo do estoque, salvo erro na aquisição, está intimamente associado ao financiamento do fornecedor ao lojista, pois, quando maior a dificuldade de venda, maior o prazo de permanência da mercadoria em estoque (ou mesmo obsolescência envolvendo perda). Isso é reconhecido por ambas as partes envolvidas.

Na venda, via marketplace, o prazo de recebimento está estabelecido em contrato entre as partes; na venda direta da loja, o prazo de recebimento é determinado pelo lojista segundo contrato com as operadoras de cartão/banco. Na hipótese de o prazo médio de recebimento superar o prazo médio de pagamento, há necessidade de financiamento extraordinário a juros de mercado, constituindo um custo adicional ao lojista tal como, de fato, tem ocorrido.

A incerteza da venda, a necessidade de pronta entrega, o lote mínimo de compra e o ciclo de produção do fornecedor geram a necessidade de se manter mercadorias em estoque. Se considerarmos o estoque como capital sob a forma de mercadoria, ele gera um custo equivalente ao rendimento que o seu valor teria se aplicado no mercado financeiro a juro real[3]. Além disso, salvo exceções, o estoque médio mantém uma relação direta e constante com o volume de vendas. Em resumo, um aumento no volume de vendas implica um aumento correspondente no estoque e, portanto, um custo de manutenção do capital em estoque.

As incertezas dos lojistas

Fixação da marca

A maior exposição da marca tem sido um dos argumentos comumente alardeados sobre as vantagens em vender via marketplace, pois o aumento do volume de vendas implicaria a divulgação da marca entre consumidores que jamais a teriam conhecido. De fato, a difusão da oferta pelo uso do tráfego do marketplace é inquestionável, mas insuficiente: é preciso ter preço, prazo, frete e bom atendimento para estar à frente de muitos concorrentes.

Mesmo considerando o aumento de vendas, pouco se fala a respeito da percepção do consumidor. Para ele, a venda foi realizada pelo marketplace ou pelo lojista? O consumidor fixa a marca da loja âncora ou da razão social constante na nota fiscal? Nesta discussão entra um tema importante: trata-se do primeiro atendimento – o consumidor sempre deve se reportar à loja âncora. Esta diretriz tem, entre tantas, uma derivação importante: em última instância, a responsabilidade pela venda é da loja âncora e, portanto, o cliente é dela. Isso reforça o sentimento de que, para o lojista, a venda pelo marketplace pouco acrescenta à fidelização do cliente ou a valorização da marca.

Propaganda

Sabe-se que a inexistência do ponto de venda condena a loja virtual ao gasto com propaganda e marketing em troca de sua relevância no mercado. O grande problema com este tipo de despesa é torná-la inferior ao lucro decorrente das vendas por ela provocada, desafio de difícil sucesso para leigos no assunto. Devido à sua crescente complexidade, a propaganda e o marketing digitais passaram a ser objeto do trabalho de especialistas, cujo acesso é, na prática, vedado a pequenos lojistas.

A irregularidade dos gastos e a incerteza dos resultados dificultam a mensuração deste tipo de despesa em relação ao faturamento bruto. As pesquisas vêm apontando o percentual de 10% a 13% do faturamento, porém qual seria o nível de confiabilidade destes dados? Mal ou bem, a propaganda bancada por uma loja tem a propriedade de realçar a sua marca.

Alega-se que o tráfego no marketplace faz as vezes da propaganda do lojista associado. Efetivamente, ele promove a venda da mercadoria do lojista, mas não necessariamente ressalta sua marca, ou seja, deixa seu rastro na memória do consumidor. Desse modo, seria exagero considerar que o tráfego do marketplace substitui em igualdade de condições a propaganda feita pelo lojista exclusivamente para si. Com isso, não seria descabido considerar que um terço do gasto de propaganda do lojista seria coberto pelo tráfego do marketplace.

Critérios de avaliação dos lojistas: transparência

O início das vendas via marketplace foi marcado pela indiscriminada caça aos lojistas. Os operadores comerciais do marketplace tinham metas mensais por quantidade de lojistas, itens cadastrados e faturamento mensal.

Com o tempo, o crescimento da receita dos marketplaces tem sido muito elevado, dando ensejo ao um processo depurativo muito elegante, por evitar desagradáveis desqualificações, e pouco transparente, por ocultar as regras. Trata-se novamente do buy box onde fomenta-se a concorrência entre os lojistas destacando o lojista com o melhor preço, frete, pontualidade, atendimento, participação ativa em promoções coletivas etc. Contudo, seria mais adequado se, além do desempenho, a ponderação das variáveis consideradas e sua classificação por categoria também fossem compartilhadas.

Mudanças contratuais

Não se pode comparar o corpo jurídico de um marketplace com o do lojista. Assim, os lojistas têm menores condições de analisar com profundidade seus deveres e direitos explícitos no contrato e adendos. É fundamental que haja transparência e que brechas contratuais possam favorecer apenas uma das partes. Elas devem ser mais claras e devidamente antecipadas às partes para que possam tomar providências em função de suas decisões.[4]

Aprendizado

A aceleração do aperfeiçoamento da política comercial (mix e preço) e operacional (logística e atendimento) dos lojistas[5] tem sido um argumento frequentemente usado como benefício da venda via marketplace. O pano de fundo deste contexto é a depuração do mercado.

Realmente, o marketplace, ao centralizar as ofertas de milhares de lojistas, intensifica a concorrência entre eles, cujo resultado, todos sabemos, é a concentração de mercado: gradativamente, os mais fortes se destacam (inclusive com o abandono de categorias pela loja âncora) e os mais fracos (não necessariamente incompetentes) se retiram do mercado[6].

O custo de entrada

Supondo que o preço de venda em dois canais sejam o mesmo, que os custos deles sejam desiguais, há um mínimo de vendas a ser alcançado no canal mais caro para que o lucro global permaneça constante. Caso ele não seja atingido, o lucro global cairá. O custo em atingir este patamar de vendas seria o preço de entrada no novo canal.

Ainda é muito duvidoso afirmar que as margens de lucro obtidas pela venda via loja virtual e via marketplace são iguais. Segundo o que consta no relatório “The Rise of the Global Market Places”[7], a transferência de parte dos custos comerciais do lojista para marketplaces norte-americanos em troca do aumento do volume de vendas, tem sido feita com sacrifício da margem. Tal perda pode ser explicada por dois motivos: o custo do canal é mais caro e/ou ele obriga a redução do preço para aumentar as vendas.

No Brasil, uma das condições contratuais mais severas é a igualdade de preço praticado na loja e o preço constante no marketplace. Esta imposição tem como fundamento evitar que o consumidor saiba da oferta pelo marketplace e compre no site da loja correspondente. Em consequência disso, caso os custos do marketplace superem os custos da venda direta, a venda pelo marketplace sacrifica a margem e, em caso contrário, seria melhor não mais investir na venda direta.

Tendências

Quando o valor da comissão paga pelos lojistas ao marketplace for inferior à soma dos custos que o lojista[8], a lucratividade por meio do marketplace será maior do que a correspondente pela loja virtual. Neste caso, a migração para o marketplace será economicamente inevitável.

É costume transpor para o Brasil as experiências norte-americanas sem considerar as diferenças de mercado. Os serviços prestados pela grande maioria dos marketplaces brasileiros são bem mais restritos, eles ainda não incluem o fulfillment e o transporte, contrastando com o mercado norte-americano onde a Amazon os oferece desde 2006[9].

A diretriz seguida pela Amazon é global e gradualista: reduzir seus custos logísticos pelo aumento do volume das transações para concorrer com as lojas físicas e atrair para si os serviços de todos os tipos de lojistas. O objetivo é o ganho de escala associado aos altíssimos investimentos em tecnologia, permitindo que a comissão cobrada pela Amazon seja amplamente compensadora para seus clientes.

Há quem afirme que em 2020, 40% do comércio eletrônico mundial será realizado através dos marketplaces globais. No Brasil, este processo é obstruído por vários fatores: a complexidade fiscal dificultando a armazenagem de mercadoria de terceiros e fulfillment; as desigualdades regionais; a extensão do território; o tamanho do mercado consumidor e a não internacionalização da operação dos marketplaces. Tais dificuldades deverão impedir que os marketplaces nacionais cresçam no mesmo ritmo que os marketplaces globais.

As possíveis transformações nas lojas âncora

 As lojas âncora, donas dos marketplaces que operam no Brasil, estão se abstendo do risco comercial de determinadas categorias, transferindo-o a quem tenha as competências adequadas para operá-las com lucro.

Neste sentido, quais seriam as características das categorias candidatas ao gradual abandono e, portanto, disponíveis aos lojistas que compartilham suas vendas entre os dois canais?

Não é difícil identificar algumas delas: nichos, mercadorias altamente especializadas e destinadas a um mercado relativamente pequeno; cauda longa, mercadorias com ampla variedade e baixa rotação de estoque, cujos preços de venda agregam valor muito superior ao custo de estocagem; especialização logística, mercadorias com alta complexidade para armazenar, movimentar, embalar e transportar, implicando a necessidade de alta escala para diluir custos logísticos; itens perecíveis, seja por exceder a data de fabricação seja por perda gradual de demanda (artigos de moda) e itens de baixo valor agregado, mercadorias cujo mercado fornecedor tem baixo custo de entrada.

Dado que os marketplaces devem abandonar categorias, quais seriam as consequências organizacionais da redução da variedade de suas ofertas?

Com algum risco, segue algumas delas: enxugar sua área comercial; reduzir a capacidade de armazenagem e equipamentos de movimentação; aumentar o investimento em TI (poder de inovação, segurança e rapidez em responder às exigências do mercado); investir na promoção do tráfego; diversificar o perfil comercial, conciliando a impessoalidade do relacionamento com consumidores com a personalização do contato com lojistas e, conciliar contradições geradas pela dualidade de negócios sob uma única direção.[10]

A loja virtual será um apêndice dos marketplaces?

Considerando que a instabilidade é regra dominante no mercado, especialmente em serviços, não é absurdo esperar que, ao lado da consolidação dos marketplaces, surjam alternativas que explorem suas deficiências estruturais[11]. Além disso, a tecnologia da informação continuamente conspira contra “soluções definitivas”.

Para refletir sobre alternativas, é recomendável identificar o jogo de forças por trás deste movimento de migração das vendas para os marketplaces: (i) a queda da margem de lucro do varejo decorrente do aumento da concorrência promovido pelos markeplaces; (ii) a exclusão das pequenas lojas do mercado num processo de concentração, cuja intensidade será dependente da categoria[12]; (iii) o aumento da pressão do comércio sobre as indústrias, principalmente aquelas que operam em mercados muito concorrenciais (os oligopólios naturalmente se protegem); (iv) a ampliação do mercado de marketplace com diferentes finalidades e seletividade devido à disponibilidade do software de suporte[13].

É de se esperar que sejam criados marketplaces verticais, dedicados exclusivamente a determinadas categorias, dissociados de loja âncora; que sejam criados marketplaces regionais, na defesa dos lojistas locais; que seja reduzido o distanciamento estratégico entre indústria e comércio a fim de aumentar a rotação de estoque de ambos e, por fim, seja estimulada a venda direta da indústria ao consumidor.

Fernando Di Giorgi – maio de 2017

Artigo publicado na edição 40 da Revista e-commercebrasil em agosto de 2017

[1] As ofertas de vendedores chegam a ser o dobro das ofertas de mercadorias próprias da loja âncora (panorama-dos-marketplaces-no-brasil-abril.pdf).

[2] Considerando apenas B2W, Cnova e Walmart segundo panorama-dos-marketplaces-no-brasil-abril.pdf

[3] Bondosamente está sendo admitido que a mercadoria em estoque seja valorizada pela taxa de inflação.

[4] O prazo de pagamento de 15 dias fora a quinzena do embarque da mercadoria é equivalente ao prazo de 22 dias data do embarque. Considerando o prazo de aprovação do pedido, da separação da mercadoria e da expedição, o prazo de pagamento, praticamente, equivale a 30 dias data do pagamento do cliente.

[5] O aumento do volume das vendas, o rigor da avaliação por uma loja âncora experiente e a convivência mais próxima com o assédio da concorrência forçariam a melhoria do desempenho.

[6] Segundo http://precifica.com.br/panorama-dos-marketplaces-no-brasil/, a taxa de abandono de lojistas dos marketplaces Walmart, Cnova e B2W é de 15%, igualando-se à taxa de ingresso.

[7] How_to_survive_the_global_market_places_v150610.pdf

[8] Propaganda; análise de fraude; perda por charge back; despesa de cobrança; custo administrativo com sincronia de dados e informações de atendimento: capital de giro correspondente ao adicional de venda (estoque e diferença entre prazo de recebimento do marketplace e do cartão de crédito)

[9] Além do fulfillment, a Amazon ainda oferece seus algoritmos de reposição de estoque para uso de seus clientes.

[10]  A ampliação da receita com o marketplace colide com os interesses comerciais e logísticos internos.

[11] A própria história do comércio eletrônico é exemplar neste sentido.

[12] Eufemisticamente, este processo é chamado de “busca da excelência”, fenômeno ameaça os proprietários de lojas e, por conseguinte, os postos de trabalho.

[13] Atualmente, há perto de 50 marketplaces em operação no mercado brasileiro

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