Este artigo é especialmente orientado para os pequenos lojistas que desejam entrar no comércio eletrônico ou dele já fazem parte operando também com loja física. Tem como objetivo sugerir alternativas para manutenção/crescimento de seus negócios e, por conseguinte, garantir postos de trabalho gerados.
Estamos em meio a um ambiente muito conturbado, seja por fatores econômicos (queda na renda, juros muito elevados, endividamento das famílias e das empresas e aumento da concorrência) seja pelas mudanças operacionais que estão ocorrendo no próprio comércio (mudanças na estrutura de mercado, avanço contínuo do comércio eletrônico, crescimento das vendas via marketplaces, concentração dos recursos tecnológicos etc.)
O artigo vai do geral ao particular. Começa discorrendo sobre as mais marcantes mudanças no comércio como decorrência da penetração da tecnologia de informação nos serviços. A seguir, diante desse quadro, o texto aborda os desafios a serem enfrentados pelos pequenos e médios lojistas. E, por fim, a difícil tarefa de fazer proposições para aqueles que mais empregam e contam, primordialmente, com as próprias forças.
As modificações no comércio introduzidas pelo e-commerce
O comércio eletrônico modificou o cenário competitivo do comércio de bens de consumo principalmente pela redução do monopólio territorial de mercado das lojas físicas e pelo acesso do consumidor aos comparadores de preço, deixando-os “perfeitamente informados”. Entre as mais importantes consequências de tais modificações podem ser destacadas:
Novas estratégias expansionistas
A expansão dos pontos de vendas das redes de lojas físicas deixa de ser a única estratégia de crescimento; o investimento em tecnologia da informação e a despesa com propaganda passam a ser compulsoriamente mais elevados; o recrudescimento da busca de liderança de mercado objetivando a redução do preço de aquisição junto à indústria; a unificação dos canais de venda e intermediação da venda de mercadorias de terceiros aproveitando-se da ociosidade da marca e dos ativos.
Encurtamento da cadeia de distribuição (atacado e varejo)
Com o front especialmente orientado para venda em grandes volumes para pessoas jurídicas, associado a uma política de preço específica para este mercado, e com ajustes funcionais no conjunto de sistemas que constitui o back-office do comércio eletrônico (por exemplo: pagamento à prazo, análise de crédito, tratamento das devoluções, parcelamento do atendimento parcelado de pedidos, diferenciação na separação de mercadorias, novas regras para o cálculo do frete e escolha das transportadoras etc.), as grandes lojas de comércio eletrônico tornam-se capazes de serem atacadistas virtuais (o Pontofrio é o caso exemplar). Ainda dentro deste tema, o “ponto de venda virtual” reduz os obstáculos à venda direta da indústria ao consumidor, permanecendo apenas a atividade logística como especialidade específica do comércio (alguns exemplos: Motorola, Samsung, Dell, LG).
Reformatação da “loja física”
A incursão do comércio eletrônico puro em lojas físicas, assim como o movimento das grandes redes de lojas físicas acoplando-as à respectiva loja virtual, mostra que os modelos operacionais do comercio ainda estão em mutação. A loja física, além de suas atribuições normais, passa a capturar pedidos de mercadorias não disponíveis na loja para entrega em domicílio; a ser o local destino das mercadorias vendidas virtualmente onde os consumidores deverão apanhá-las e a ser o local de recebimento e laudo de devolução de venda. Neste sentido, é importante ressaltar a venda virtual de artigos de supermercado (mercearia seca, alimentos, frutas e legumes, higiene e limpeza) a serem retirados pelo consumidor em determinada loja e na hora previamente agendada (atividades bem complexas admitindo perecíveis e congelados).
Redução de postos de trabalho no comércio
Um modo simples usado para medir a redução de postos de trabalho pela virtualização do processo de venda é comparar o faturamento por empregado entre uma loja puramente virtual e uma rede de lojas físicas. Este quociente mede a produtividade do trabalhador[1]. No Brasil, os dados são restritos e pouco confiáveis. Nos USA, a produtividade do trabalhador no e-commerce, medida pelo critério anterior, chega a ser 4 vezes maior do que nas lojas físicas[2].
Internamente ao comércio eletrônico, o aumento da produtividade do trabalho é incessante, principalmente nas atividades da logística interna e do atendimento pós-venda. O primeiro pela automação da armazenagem e separação de mercadorias, o segundo, pela flexibilidade do sistema ao incorporar regras de negócio que substituem atividades antes dependentes da intervenção de operadores.
Tanto as lojas físicas como as virtuais deverão, portanto, liberar mão de obra, aumentando o desemprego, visto que o comércio não é gerador de demanda[3].
Concorrência oligopolista baseada em preço
Admitindo a extraordinária concentração de mercado do comércio eletrônico (50 lojas respondem por 80% das vendas), a unificação total do mercado[4], o pleno conhecimento de todas as ofertas pelos consumidores, a gradual redução do diferencial relativo ao nível de serviço (pontualidade e atendimento pós-venda) e a equalização do sortimento[5], a concorrência entre as grandes lojas será baseada em preço.
Teoricamente, este comportamento tem alto grau de letalidade, visto que a redução de preço, mantendo-se a margem, somente é possível com a redução do preço de aquisição. Como todos sabem, um comerciante individual pressiona a indústria pelo seu poder de compra – lote, frequência e condições de pagamento. Disso advém a busca incessante por maior participação no mercado.
Enfraquecimento de canais indiretos de venda
As vendas “porta-a-porta” estão seriamente ameaçadas pelo comércio eletrônico. Neste tipo de canal, o ciclo de venda é determinado pelo ciclo de visita da “consultora”. A captura de novo pedido coincide com a entrega do pedido anterior visto que a “consultora” consolidava os pedidos e também destinatária do atendimento pelo depósito da empresa vendedora. Este processo simplificava muito a logística interna e externa. O grande problema é o que ciclo de reposição, em tese, depende das limitações físicas impostas às “consultoras”. As empresas que adotam este tipo de canal foram obrigadas a desconsolidar os pedidos capturados pelas “consultoras” para remeter a mercadoria diretamente ao consumidor. Esta mudança, obviamente, implica forte impacto logístico e de custos operacionais. Embora o ciclo de reposição tenha sido reduzido, a dependência do ciclo de visita da consultora permanece. No comercio eletrônico, o ciclo de compra é estritamente dependente do consumidor.
Parte importante das funções dos representantes comerciais (vendas técnicas, laboratórios farmacêuticos etc.) e corretores de seguros estão sendo substituídas pelos sistemas. Os médicos podem programar o recebimento de boletins e remessas de amostras grátis por meio da internet e atualizar seus conhecimentos sobre fármacos através de webinars com mais alto nível técnico; os compradores das indústrias têm à disposição especificações detalhadas de peças de reposição de máquinas[6]; os engenheiros de projeto e de manutenção passam a acessar catálogos online e se corresponder com fabricantes via internet etc.
A captura de parte da margem dos pequenos e médios lojistas
Os marketplaces têm por objetivo: fugir do risco comercial (incerteza da venda) pela intermediação da venda de mercadorias de propriedade de terceiros (pequenos e médios lojistas); aumentar o sortimento pela oferta de mercadorias de terceiros; aumentar a visitação como decorrência do aumento do sortimento; melhorar o conhecimento das preferências dos consumidores como decorrência natural do aumento da visitação; reduzir o capital de giro pelo abandono de itens de “cauda longa”, com isso, aumentando a rotação de estoque e reduzindo custos logísticos; reduzir despesas com agentes financeiros, com empresas especializadas na prevenção de fraude e com propaganda pelo aumento do volume de transações; aumentar a lucratividade pelo uso da capacidade ociosa da plataforma tecnológica (custo marginal praticamente nulo) e selecionamento de itens com maior margem para venda direta (mercadorias próprias).
Para se ter uma ideia aproximada do valor apropriado pelos marketplaces, podemos fazer um pequeno exercício: se as vendas dos marketplaces em 2016 forem 16 bilhões[7], por hipótese, admitamos que eles venham a ter margem líquida de 5%. Isso significa 800 milhões que, em tese, teriam ido para o bolso dos vendedores a eles associados. Embora os vendedores possam ter aumentado o volume de vendas, eles aumentaram também seus custos operacionais e de capital. Dessa forma, pode-se se concluir que a margem média dos vendedores foi reduzida pela taxa cobrada pelo intermediário. Num ambiente concorrencial febril[8], isso leva à descapitalização dos vendedores mais frágeis e ao fortalecimento daqueles com melhor estrutura, portanto, concentrando o mercado, cuja aceleração está diretamente associada à recessão.
Desafios para os pequenos e médio lojistas
Pressupostos a serem considerados:
O mercado de comércio eletrônico deverá ser ainda mais concentrado
A razão básica da aceleração deste processo é sua absoluta dependência da tecnologia da informação. Basta citar que “[o aumento] da produtividade [do comércio] está sendo contido pela incapacidade das rivais da Amazon, do Facebook e do Google de as alcançar” (Valor, 09/12/16, B9, relatório da OCDE), fenômeno que pode ser notado não somente pelos altos reinvestimentos em tecnologia como pelas constantes aquisições de empresas de desenvolvimento de software.
Aumento brutal da concorrência
O fim da reserva de mercado, a extraordinária redução do investimento inicial para abertura de loja virtual (aumento da oferta), a possibilidade de ampliação do volume de vendas das pequenas lojas por meio dos marketplaces; o “empoderamento” do consumidor pela facilidade e amplitude de cotação de preço; a facilidade de reação das lojas virtuais face a ataques da concorrência em termos de preço, frete e condições de pagamento etc., constroem um cenário competitivo selvagem, no qual, é de se esperar a redução global da margem de lucro devido à equalização de preço.
Multicanal
Há restrições naturais ao crescimento do comércio eletrônico centradas na renda e na logística: o valor do frete a pagar praticamente impossibilita transações de baixo valor; para consumidores de baixa renda[9], o valor do frete é superior ao custo de seu deslocamento à loja física – esta conta “fecha” apenas para as classes A e B; as lojas físicas são mais flexíveis nas condições de pagamento para consumidores de baixa renda[10]; a banda larga não está disseminada; o comércio de bens de consumo regular ainda é praticamente exclusivo das lojas físicas; o mercado é denso para a captura do pedido, mas é logisticamente disperso, encarecendo o frete etc.
Seria ingênuo pensar que a grandes redes de lojas físicas não desejam os benefícios da integração entre os canais. A principal razão do atraso na desejada integração deve-se à tecnologia (ela não é tão flexível como comumente se apregoa). Cada um de seus canais de venda opera com sistema específico e autista. A integração, apesar das dificuldades atuais, é questão de tempo e investimento.
Pequenos e médios lojistas, o que fazer?
Aderir ao comércio eletrônico sem perder a venda física
Não há como desconhecer a realidade do comércio eletrônico. É preciso combinar as operações, o que implica incorporar atividades até então desconhecidas e baseadas em tecnologia. Este passo é reconhecidamente difícil e sujeito a enganos devido à subestimação das dificuldades, oportunismo dos fornecedores de soluções e falta de planejamento e treinamento.
Caso não haja condições de cumprimento das regras mínimas que regem o comércio eletrônico (garantia de estoque da mercadoria em oferta, obediência ao prazo de entrega prometido e capacidade de atendimento pós-venda quando acionado pelo cliente), é prudente não se expor sob pena de depreciar o nome da loja.
Inviabilidade de investimentos em propaganda pelas pequenas lojas
Antigamente, o consumidor dava preferência à loja mais próxima, agora ele está livre para comprar de quem ele quiser. No custo do ponto de venda estava incluída a propaganda. Agora, como dar relevância à loja? Praticamente é impossível arcar com custos de propaganda para competir com as grandes lojas. Aliás, este é o grande argumento dos marketplaces ao se apropriarem de parte da margem dos pequenos lojistas. Como veremos, há alternativas a isso, porém, a questão é que elas independem apenas de cada lojista em particular.
Evitar o conflito entre os canais
O convívio entre a venda pela internet e a venda presencial não deve desestimular os vendedores da loja física, eles devem continuar sendo comissionados pelas vendas via internet, criando um ambiente colaborativo, visto que os recursos dos pequenos lojistas são obrigatoriamente multifuncionais.
Negociação coletiva: marketplaces e softwares
Caso cada pequeno lojista negociar individualmente com os marketplaces e com os fornecedores de soluções de front e de back-office, certamente pagarão muito mais do que pagariam se a negociação fosse coletiva, ou seja, através de associações regionais de lojistas. Além disso, as condições contratuais (direitos e deveres) e o poder de pressão serão bem maiores.
Evitar o vazamento de renda regional: promover o comércio local e preservar empregos
Trata-se de um assunto socioeconômico. Os governos estaduais lavaram as mãos com a divisão do ICMS entre os estados de origem e destino, eles resolveram suas questões unilateralmente, deixando os lojistas virtuais com grandes dificuldades operacionais. A questão foi mal resolvida e é muito mais ampla.
Do ponto de vista regional, a questão fundamental é fazer com que a renda dos munícipes seja gasta no próprio município, não somente a arrecadação de parte do ICMS. Isso, se não promove, pelo menos tende a manter o crescimento regional. Para tanto, é importante que haja um Shopping Virtual Regional orientado para o pequeno comércio e mantido por associação de vendedores que estimule a compra local
Estimular a venda de mercadorias com produção regional
Manter ofertas típicas da região, levando em consideração o grande fluxo migratório que ocorreu no Brasil há algumas décadas, especialmente de produtos artesanais. Para produtos industrializados, quando possível, manter acordos com indústrias locais para venda cross-docking (vender antes de comprar), reduzindo o capital de giro.
Tirar o melhor proveito dos marketplaces
Pouco adianta oferecer artigos que dezenas de outros lojistas também oferecem. A abundância da oferta apenas intensifica a concorrência, provocando o rebaixamento do preço de venda.
O ideal, tanto para o lojista quanto para o marketplace, é ofertar artigos complementares ao sortimento próprio do marketplace. Neste caso a concorrência será restrita apenas aos demais lojistas semelhantes. Ainda neste caso, a melhor escolha seria a oferta que minimiza o número de concorrentes, os seja, artigos de nicho.
Há casos bem excepcionais em que a comercialização de determinada categoria exige longa experiência comercial[11], constituindo-se numa barreira de entrada de concorrentes, em geral, orientada para um mercado bem especifico. Há exemplos bem claros do abandono de tais categorias pelos marketplaces devido a impossibilidade de contar com uma equipe comercial dotada de tais conhecimentos.
Fernando Di Giorgi Dezembro de 2016
Publicado na edição 37 da Revista e-commercebrasil
fevereiro de 2017
[1] Embora não conteste a tese, uma crítica a este cálculo é que ele desconsidera a diferenciação da massa salarial – os postos de trabalho reduzidos pelo uso da tecnologia têm como contrapartida a contratação engenheiros de computação.
[2] “Varejista médio de internet no EUA gera US$ 1,3 milhão em vendas por empregado, ante a média do varejo físico de US$ 279 mil por empregado” (Valor, 09/12/16, B9, J.P. Morgan)
[3] Cabe ao comércio a transformação da mercadoria produzida pela indústria em dinheiro, reativando a atividade industrial. É muito duvidoso que a redução de custos comerciais venha se reverter em redução do preço de venda.
[4] Nível máximo de adensamento de mercado, pois potencialmente todas as lojas virtuais podem ser acessadas por todos os consumidores devido à perda da reserva regional de mercado.
[5] A equalização do sortimento deverá ser um dos resultados da extensão da intermediação da venda de mercadorias de terceiros (marketplace).
[6] Os grandes revendedores de equipamentos eletrônicos de uso industrial chegavam a manter funcionários especializado dentro de seus clientes para auxiliá-los na especificação das peças a comprar.
[7] Latam dotCommerce december 6, 2016 Goldman Sachs, p. 8
[8] Num marketplace, havia 27 lojas simultaneamente ofertando a boneca “Baby Alive Fralda Branca Loira com preços variando entre R$ 246,07 a R$ 399,00, desvio 39,36 , média 332,45, desvio percentual 12% e mediana 329,99, um mini comparador de preço.
[9] Perto de 80% da população brasileira ocupada vive com renda até 3 salários mínimos (IBGE, censo 2010).
[10] Preço alto e prestações a perder de vista, “cabendo no bolso do consumidor”.
[11] Conhecimento profundo do mercado fornecedor (especificação e qualidade da mercadoria, pontualidade de entrega, nível de flexibilidade comercial, situação financeira, capacidade de produção, capacidade de aproveitamento de compras especulativas etc.) e do mercado consumidor (adequação das mercadorias à finalidade, regras de reposição de estoque bem estabelecidas etc.)