No início dos anos 90, a Uniconsult desenvolveu um ERP, usando Oracle (na época só funcionava com máquina Risc), orientado para indústria, mais focado nas funções logísticas, comerciais e de produção, bem de acordo com a especialização de seus projetistas. Como ocorre em toda empresa de desenvolvimento de aplicativos, fomos aprendendo ao mesmo tempo que ampliávamos e melhorávamos o sistema, uma vez que as funções logísticas e de produção são específicas de cada ramo industrial.
Outras empresas fizeram o mesmo, porém com enfoques distintos, o mais frequente obedecia a uma regra fundamental na decisão de investimento: o tamanho do mercado. Com isso, o que norteava os projetistas eram as funções empresariais mais padronizadas tais como contabilidade, pessoal e financeira. Buscava-se a uniformização para ganho de escala, uma versão para muitos clientes.
Enquanto, por vocação, a Uniconsult enveredou inicialmente pelo enfrentamento da diversidade funcional, as demais empresas optaram pela especialização. Ao longo do tempo, esta diferença levou as empresas a percorrem caminhos muito distintos: a primeira tinha em seu DNA a capacidade adaptativa, a necessidade contínua de generalizações (ou flexibilidade), com alta produtividade, estabelecendo, por natureza, uma relação íntima com o cliente; a segunda, embora com taxa de crescimento muito maior, tendia a resistir à mudança realizando-a por ciclos desde que haja pressão de mercado.
Qual seria a razão desta introdução? Ela é a chave explicativa para entender a razão pela qual as grandes empresas de desenvolvimento de software não tiveram condições de fazer parte do desenvolvimento do comércio eletrônico. As necessidades funcionais do comércio eletrônico chocavam frontalmente com a rigidez dos ERPs das grandes grifes; além disso, empresas emergentes não constituíam mercado atraente para quem quer ganhar na escala de produção e não na especialização. Abriu-se o espaço para empresas que investiram em sistemas com mais alto nível de abstração, fruto do contínuo trabalho de pesquisa e do que há de comum nas diferenças funcionais, minimizando o esforço de desenvolvimento.
Agora a história. O braço logístico Cotia Trading, usuária do ERP da Uniconsult, encomendou o desenvolvimento de Sistema de Gestão de Armazém (WMS) à Uniconsult, com uso de coletores em rede de rádio frequência para operar o Centro de Distribuição do Carrefour em Osasco. Pelos serviços que a Cotia prestava à Lojas Americanas é que a Americanas.com chegou à Uniconsult, buscando um ERP associado a um WMS – na época pensava-se que os ERPs tradicionais serviam como back-office para e-commerce
É importante ressaltar que a bolha das ponto.com ainda não tinha estourado; assim, o objetivo das empresas em investir no comércio eletrônico era, rapidamente, iniciar a operação para, num prazo de 6 meses, vendê-la a um preço exorbitante. Com isso, a Americanas.com, dirigida por Pedro Donda, com German Quiroga como diretor de Marketing e Timótheo Barros como diretor de Logística, firmou contrato com a Uniconsult para a junção do ERP com o WMS com prazo de dois meses de desenvolvimento em paralelo à construção do site, incluindo as interfaces entre eles. A loja entrou em produção em outubro de 1999.
Na época, não havia escala e nem conhecimento para o desenvolvimento dos módulos de SAC e Transportes. Somente em 2002, com o explosivo aumento das vendas, é que houve condições de logicalizar os processos de atendimento aos clientes, rastreamento da entrega e reversa, determinação automática da transportadora e cálculo do frete a pagar. Assim, em 2002, a Uniconsult incorporou estas funções ao seu sistema, agora especializado como plataforma de back-office para grandes empresas de e-commerce.
Com o back-office completo e em uma só peça de software, a Uniconsult foi beneficiária de um fator que normalmente acompanha o processo inovativo, a cumulatividade do conhecimento, como barreira natural à entrada de concorrentes, razão pela qual firmou sucessivos contratos com grandes lojas do varejo eletrônico (Pernanbucanas.com (2004), Extra.com (2005), Pontofrio.com (2008), Walmart.com (2008), Ricardoeletro.com (2009), Dafiti.com (2009) etc.), até ser vendida para a B2W em 2013.
Concluindo, as inovações nos processos empresariais baseadas em tecnologia da informação – tal como o comércio eletrônico – propiciam oportunidades de mercado às empresas de desenvolvimento que têm a inovação em seu DNA. É deste encontro que resultou o sucesso da parceria, especialmente a coragem de aprender, acompanhada por duas diretrizes básicas: a economia de código baseada na capacidade de generalização e a capacidade inovadora do empreendedor como complemento às decisões de investimento.
Fernando Di Giorgi junho de 2015