Em 1999, iniciei meu conhecimento em e-commerce numa etapa madura de minha vida profissional em termos de TI e Logística. De lá para cá, tive a chance de acompanhar de perto o extraordinário crescimento da venda não-presencial, especialmente seus processos internos, desde a construção dos sites até a entrega das mercadorias aos clientes. Neste artigo, abordo as oportunidades profissionais abertas pelo e-commerce e a evolução das pessoas que nele acreditaram. Na verdade, este artigo é uma homenagem a elas.
Para melhor compreensão do texto, para cada grupo de atividade, destaco os diferenciais do e-commerce como fundamentos da abertura de oportunidades. Foram eles que propiciaram oportunidades a dezenas de milhares de profissionais de se lançarem a busca de realizações.
Novos empreendedores
As altas taxas de expansão de mercado, o desprezo inicial das grandes redes de varejo pelo e-commerce, o retorno do capital investido inicialmente elevado devido à novidade, a ausência de barreiras de entrada no C2C, o varejo altamente associado à tecnologia e à logística, abriram espaço para novos empreendedores.
Dois grandes grupos podem ser destacados:
A – Os que tinham capital financeiro e intelectual. Historicamente, os recém-formados direcionavam-se à indústria ou ao mercado financeiro. O varejo tradicional, dada a estabilidade de seus processos e formas vegetativas de expansão, não era atraente e nem tinha atratividade para jovens bem formados e criativos. Uma nova forma de varejo, intelectualmente mais complexa e com amplas possibilidades de expansão e abrangência, passou a ser vista como uma alternativa à carreira executiva em grandes organizações.
B – Os que tinham apenas experiência de varejo. Há segmentos no varejo que exigem muita experiência no atendimento a clientes, conhecimento do mercado fornecedor e de consumo: peças eletrônicas, acessórios de motos e automóveis, instrumentos musicais, ferragens, material elétrico, informática etc. Os empregados destes estabelecimentos levam anos para serem seniores em suas funções, muitos deles aptos a terem seus próprios estabelecimentos, mas impossibilitados por não terem capital para comprar um ponto de venda e mercadorias para o início das atividades. Para eles, o comércio eletrônico foi a liberdade, começando pelo C2C e gradualmente formando estoque. Tive a satisfação de conhecer muitos destes batalhadores que fizeram muito bom uso da experiência acumulada atrás de um balcão e se lançaram no e-commerce.
Em síntese, a redução da barreira do capital inicial e a expectativa de crescimento fornecida pelo varejo on-line permitiram a muitos a oportunidade de ter seu próprio negócio (forte tendência atual), a experiência de assumir o risco de suas próprias decisões, o autoconhecimento e a possibilidade do uso integral de suas competências.
Operadores Logísticos
A logística interna do e-commerce é muito diferente da logística do varejo tradicional. A primeira atende pedidos de consumidores, a segunda abastece lojas. Indo mais fundo:
A – A mercadoria é recebida a granel (não paletizada), a diversidade de itens chega a ser 10 vezes superior, a relação de força com os fornecedores é muito inferior (não é possível impor regras), a entrega é fracionada (o transportador não espera a conferência) e o agendamento da entrega é apenas um desejo;
B – Na armazenagem, o endereçamento automático torna-se mais complexo pela necessidade de misturar itens no mesmo endereço por escassez de posições de picking;
C – A separação das mercadorias por pedido de venda é feita sob alta pressão (milhares de pedidos que chegam num dia tem que ser expedidos no dia seguinte);
D – Checkout: as mercadorias de cada pedido têm que ser conferidas, por conveniência dos consumidores, há itens a serem especialmente embalados e identificados e os volumes têm que ser rigorosamente etiquetados (etiqueta em conformidade com a nota fiscal).
Tais características exigem: uso de coletores em rede RF, constantes alterações nos processos para aumento da produtividade e redução de custos, impessoalidade do processo, aumento da área de armazenagem implicando a automação do processo de separação e aumento da complexidade administrativa.
Como consequência, as empresas tiveram que formar e especializar seus funcionários. Na logística interna foram introduzidas técnicas industriais de planejamento e programação do trabalho; foram criadas oportunidades de desenvolvimento de habilidades de comando devido à necessidade de hierarquização da estrutura organizacional e, no plano individual, a possibilidade de crescimento profissional a partir de experiências vivenciais.
É difícil descrever a satisfação de ver simples estoquistas, conferentes ou separadores transformarem-se em supervisores ou coordenadores ao longo do tempo, inclusive, disputados pelas empresas concorrentes, para eles, bastava uma oportunidade para crescer.
Operadores de SAC
Muitos confundem CRM ou SAC de rede de loja física com o SAC de loja virtual, para tanto, basta pensar que todo relacionamento entre o cliente e a loja virtual prescinde do contato físico. Os processos mais importantes são: as devoluções (a exigir a coleta por conta da loja); os cancelamentos (a exigir o crédito); o rastreamento das entregas e suas exceções para posicionar o cliente e orientá-lo sobre como comprar. Tais atividades exigem: o conhecimento integral do processo, desde a captura do pedido até sua entrega ao cliente, incluindo a possível reversa (devolução); respostas sempre on-line apoiadas por um sistema integrado; evitar fracionamento do atendimento (passagem do bastão para outro posto de atendimento) e acesso a todos os contatos pregressos do cliente a fim de sempre dar continuidade ao atendimento anterior.
Como consequência de tais necessidades, na realidade, o SAC audita integralmente o processo produtivo, obrigando os operadores a terem amplo conhecimento das operações e, pela percepção das falhas, identificarem oportunidades de melhoria no sistema. Com este acúmulo de conhecimento, vários jovens operadores de SAC puderam adquir rara visão sistêmica a ponto de se habilitarem a exercer outras funções na logística, na gestão de transporte, em operações especiais como B2B ou acordos de fidelidade.
TI – construtores de sites e back-office
Nos anos 90, os fabricantes de ERP praticamente acabaram com a análise de sistema. Nada mais havia a desenvolver nas empresas em termos de sistema, exceto a exploração de dados para apoio à decisão; os profissionais passaram a ser tão somente instaladores, analistas de negócio responsáveis por adequar os processos das empresas à camisa de força dos ERPs, enfatizando o gerenciamento de projeto. O varejo tradicional foi mais refratário à adoção de pacotes prontos, embora com altíssimos custos de instalação e customização, tem sucumbido à mesma tendência. Como o comércio eletrônico subverteu os processos tradicionais de venda, tudo o que havia sido produzido pelos ERPs não tinha serventia para ele, e, para completar, a instabilidade de seus processos, devido à rápida expansão e aumento de abrangência, inviabilizaram as tentativas de customização. Um novo mercado se abriu para os profissionais de TI, tanto na construção de lojas virtuais como no desenvolvimento de back-office. Hoje temos vários e bons fabricantes de site e back-office para bolsos de todos os tamanhos.
Carências profissionais
Felizmente ainda há lacunas profissionais no comércio eletrônico, elas se devem a excessiva ênfase operacional típica da fase de expansão de mercado. Elas se referem a funções mais intelectuais, especialmente importantes na fase de estabilização, quando se busca reduzir custos operacionais (capital de giro, transporte e mão de obra) e objetividade das ações mercadológicas. Entre elas pode-se destacar: estatísticos capazes de operar ampla base de dados para identificar perfis de clientes direcionando marketing; projetistas de sistemas (bem mais do que analistas de negócio) para desenvolverem aplicações em logística externa, operações especiais correlatas ao B2C e ressuprimento de estoque; e analistas de custo para construção de modelos contábeis gerenciais.
Conclusões
Fernando Di Giorgi junho de 2013
Artigo publicado na edição 17 da revista E-commercebrasil em agosto de 2013