Este artigo tenta identificar e classificar os modelos de comércio eletrônico de mercadorias. Para tanto, faz uso de três enfoques referenciais: estrutural, operacional e logística, cada um deles com suas variantes.
Para melhor compreensão deste texto, seguem algumas explicações iniciais:
- O comércio eletrônico será considerado como um canal de venda diferenciado do canal da loja física.
- Uma loja virtual pode usar mais do que um dos modelos descritos neste artigo.
- O software que suporta o comércio eletrônico será considerado como constituído de duas peças, o Software da Web Store (SWS), responsável pela captura dos pedidos, e o Back-office (BO), responsável pelo atendimento físico integral do pedido, inclusive a reversa.
- Neste texto, um conjunto de lojas constitui uma rede. Enquanto no mundo físico, trabalhar com mercadorias de terceiros somente era possível com consignação, no comércio eletrônico, esta possibilidade é muito mais ampla. Vamos estender o conceito de rede admitindo que o elo entre as lojas possa ser outro além de apenas pertencerem ao mesmo proprietário. Explicaremos as novas formas de vínculos.
A – Visão estrutural
Estruturalmente, uma operação de comércio eletrônico pode ser observada sob diferentes enfoques: bandeiras, companhias proprietárias das mercadorias e a participação em rede.
A.1 Multi-bandeiras que usam o mesmo SWS
Um estabelecimento de comércio eletrônico pode operar com uma ou mais bandeiras usando o mesmo SWS e BO. Um primeiro exemplo: no ramo de vestuário é comum ter bandeiras distintas, uma para venda de coleção em curso e outra para venda de ponta de estoque. Um segundo exemplo: no caso de fusão de lojas famosas, é conveniente manter as marcas separadas aproveitando-se da penetração de cada uma delas no mercado.
As diferentes bandeiras podem contar com estoques exclusivos ou compartilhar estoque, caso compartilhem, o SWS deve enfileirar os acessos das bandeiras ao estoque comum. Em síntese, a idéia é similar à usada pelas grandes cadeias de supermercados operando com bandeiras diferenciadas por classe social.
A.2 Multi-companhia
Estabelecimentos distintos (companhias) de comércio eletrônico podem compartilhar o mesmo SWS e BO. Obviamente, neste caso, todas as transações e mercadorias devem ser perfeitamente diferenciadas por companhia. Um portal é um exemplo de operação virtual multi-companhia, em geral restrito ao uso comum do SWS. Um exemplo mais completo e pouco comum no Brasil: empresas que, além de oferecerem o SWS e o BO para uso das companhias, responsabilizam-se também pela logística interna e externa.
A.3 Participação em rede
Vamos distinguir três modelos diferentes dentro do que podemos classificar como participação em rede.
O primeiro deles é uma rede de lojas virtuais composta por diferentes varejistas que compartilham entre si o estoque, o SWS e o BO oferecidos por um distribuidor com grande variedade de itens de um conjunto restrito de categorias. Cada loja exibe o logo do varejista. Esta tem sido uma forma habilidosa de sobrevivência de distribuidores de algumas categorias fortemente ameaçadas pelo comércio eletrônico.
Um segundo modelo de rede é composto por lojas virtuais de um mesmo fabricante de SWS. Através de acordos comerciais e interfaces especialmente desenvolvidas, a SWB possibilita que seus clientes tenham acesso aos estoques de distribuidores credenciados. O grande benefício deste modelo é diversificar a oferta de pequenas lojas e aumentar o volume de venda dos distribuidores por meio de extensão dos “pontos de venda”. Como adendo, este modelo não obriga que os varejistas se restrinjam às categorias oferecidas pelos distribuidores.
O terceiro modelo é o que tem sido mais perseguido e que tem tido problemas operacionais. Trata-se da integração de canais, uma rede de lojas físicas convivendo com a loja virtual. O grande problema conceitual é o compartilhamento do estoque. Enquanto na loja física a venda e baixa de estoque são atividades síncronas, na loja virtual tais atividades são assíncronas gerando a necessidade de reserva. Este descompasso gera incerteza na determinação da disponibilidade de estoque, o que é letal para o comércio eletrônico.
B – Visão Operacional
As operações do comércio eletrônico de mercadorias podem ser categorizadas como de comercialização e intermediação.
B.1 Comercialização
Gradualmente, o comércio eletrônico tem ampliado a oferta de categorias de itens. Algumas delas implicam operações muito específicas a ponto de exigir especializações. Para não ser extensivo, vamos distinguir quatro modelos já consagrados.
O primeiro modelo é o tradicional. Ele pode ser dividido em grande varejo, lojas médias e pequenas lojas face ao volume de vendas cuja diferenciação é devida à complexidade logística derivada da precisão da gestão de armazém (WMS), no monitoramento do transporte (MT) e na eficiência no atendimento aos clientes (SAC). O grande varejo tem necessidade de que o SWS tenha alta performance e que o BO seja integrado e completo. As lojas médias têm maior flexibilidade em razão da demanda ser menor: O WMS e MT podem ser terceirizados e BO contar com o ERP específico para o comércio eletrônico acoplado ao SAC. As pequenas lojas contam apenas com o SWS.
O segundo modelo refere-se à venda de medicamentos, podendo ser estendido aos itens de beleza. Há particularidades estranhas ao modelo tradicional: pagamento contra-entrega, necessidade de receita, atendimento a partir de pontos de venda, prazo de entrega medido em horas etc. Praticamente, não há controle de estoque e o transporte é gerenciado por cada ponto de entrega (motoboy). Exemplo deste modelo: Drograria Onofre.
O terceiro modelo é a compra virtual de itens de supermercados (higiene e limpeza, horti-fruti, carnes e frios). As principais características operacionais são: pedidos com mais de 50 itens, mais de 100 unidades por pedido, pagamento contra-entrega, entrega de produtos perecíveis, clientes fiéis e de alta renda e freqüentes alterações nos pedidos. Tais especificações impõem um SWS e BO próprios. Um exemplo deste modelo é o Delivery.com do Pão de Açúcar.
O quarto modelo a ser abordado é o clube de Compras, cujas principais diferenciações funcionais são: altíssimo volume de itens, venda antes da compra, alta complexidade no recebimento de mercadorias, controle operacional por campanha e curta estadia dos itens em estoque (cross docking). O principal patrimônio do Clube de Compras são seus associados direcionando o investimento em marketing. Há dois exemplos famosos deste modelo: Brands Club e Privalia.
O último modelo é de Compras Coletivas. Neste caso, a compras somente se realiza por um valor muito vantajoso quando a quantidade de compradores atingir um determinado limite mínimo. Os conceitos envolvidos são: desconto por quantidade por conta do poder de compra do grupo e cross-docking.
B.2 Intermediação
Trata-se do serviço de aproximação de compradores e vendedores. O grande patrimônio da intermediação é o conhecimento da demanda e seu direcionamento à oferta. A diferenciação entre os três modelos a serem descritos prende-se à “chave de acesso”, ou seja, o argumento pelo qual o comprador (demanda) chega ao item requerido (oferta).
A primeira forma de acesso à oferta é através de um portal, equivalente a um shopping center, por meio do qual o comprador entra na loja. O pressuposto é que o portal seja conhecido e que haja investimento em marketing da loja. Um exemplo deste modelo é o portal da UOL.
A segunda forma possível é diretamente através do item desejado pelo comprador usando sites de busca. Tais sites, basicamente, diferenciam-se pela natureza da oferta. Uma variante deste modelo conduz o comprador a uma loja onde a compra é efetuada de modo tradicional (exemplos: Bondfaro e Buscapé). Outra variante conduz o comprador diretamente ao vendedor (pessoa física ou jurídica) devidamente credenciado e avaliado pelo site, com o qual pode estabelecer uma conversação assíncrona a respeito de preço, qualidade, frete etc. (exemplo MercadoLivre). Uma terceira variante seria a indicação do item a ser comprado através da rede social por meio de um link.
A terceira forma é a mediação entre os funcionários de uma empresa e uma ou mais lojas virtuais realizadas por empresas especializadas em premiação. Os pontos de cada funcionário são traduzidos em valores com os quais ele pode comprar mercadorias de lojas credenciadas. O comprador tem direto a preços reduzidos e a loja vendedora “ganha” potenciais clientes sem esforço mercadológico, além de ganho no volume. Exemplo deste modelo: WebPremios.
C – Visão Logística
A categorização operacional do comércio eletrônico também pode ser feita sob a ótica do acesso da loja a diferentes modalidades de estoques.
Embora a esmagadora maioria das pequenas e médias lojas virtuais opere desvinculada do estoque físico (uma das razões da perda de credibilidade), as lojas mais respeitáveis de mercado controlam, obrigatoriamente, o estoque próprio. Todavia, há outras modalidades de estoque com que contar que depende do grau de sofisticação do SWS e do BO.
C.1 Cross-docking
A primeira modalidade é o cross-docking: por meio de um acordo com fornecedores extremamente confiáveis, a loja vende antes de comprar e, ao estabelecer o prazo de entrega, considera o tempo de reposição prometido pelo fornecedor. Em síntese, conta-se com uma determinada quantidade de alguns itens no estoque de terceiros.
C.2 Integração com Centro de Distribuição
A segunda modalidade, válida para lojas virtuais associadas à rede de lojas físicas, é contar com o estoque do Centro de Distribuição corporativo. Há duas questões críticas a serem enfrentadas neste modelo: a necessidade de reserva de estoque em tempo real do SWS no sistema de BO da rede de lojas físicas e a expedição do CD caso a loja virtual seja um estabelecimento independente.
C.3 Estoque de terceiros
A terceira modalidade é contar com estoque de terceiros em tempo real. O pressuposto é que a reserva feita em tempo real no estoque do terceiro seja de fato cumprida e, além disso, que a expedição para o depósito da loja se realize dentro de um prazo preestabelecido usado quando da informação do prazo de entrega ao cliente. A maturidade em termos organizacionais e de TI do terceiro deve ser maior ou igual ao da loja.
C.4 Estoque nas lojas
A quarta modalidade é contar com o estoque residente nas lojas físicas além do residente no centro de distribuição. Esta prática tem sido usada de modo muito restrito e tem como origem a comercialização de artigos com demanda lentamente decrescente sem se tornar nula. Este modelo não é um resultado do comércio eletrônico: o conhecimento do estoque de cada loja em tempo real já era uma exigência da cadeia de livrarias.
Finalizando:
- As fronteiras do comércio eletrônico ainda estão se expandindo, embora esta idéia tenha mais de 15 anos. Não é possível prever o esgotamento do deste canal a médio prazo;
- A novidade do comércio eletrônico tem lhe conferido margens muito convidativas, no entanto, a vulgarização de modelos com menores barreiras à entrada deverá torná-los mais competitivos e concentrados;
- O comércio eletrônico, por sua juventude, dinamismo e por não ter sido gerado dentro do varejo tradicional (organizações com grande tradição gerencial), ainda carece de padrões contáveis específicos para avaliação e de índices de desempenho gerenciais. Esta lacuna explica o grande índice de mortalidade das lojas virtuais e a desconfiança de investidores;
- As razões fundamentais do crescimento e surgimento de novos modelos operacionais residem na alta dependência deste canal em relação à tecnologia com a qual compartilham a constante evolução e na absorção da transferência da demanda do varejo físico;
- Novas categorias estão sendo gradualmente incorporadas ao comércio eletrônico, muitas delas exigindo redefinição de processos em função na natureza do mercado fornecedor, da legislação e do atendimento ao consumidor;
- Os modelos existentes buscam incessantemente alargar suas fronteiras operacionais. O tradicional quer transformar-se em portal, a intermediação almeja incorporação funções das lojas que recomenda etc.
- Os novos modelos e suas variantes do comércio eletrônico geram grande instabilidade nos processos logísticos gerando profundo impacto computacional.
- Tem sido comum as lojas virtuais bem-sucedidas diversificarem seus modelos operacionais na busca de ganhos marginais. A experiência tem mostrado que esta estratégia é muito arriscada em função da complexidade computacional a ponto de comprometer as atividades mais rentáveis.
Fernando Di Giorgi outubro de 2011
Publicado https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/os-varios-modelos-de-negocios-do-e-commerce/ em 04 de novembro de 2011