Em todas as cadeias de produção é regra a luta de cada um de seus elos pela redução do prazo entre a produção/compra e sua realização completa (incluindo o recebimento). Isto se deve à crônica imprevisibilidade da demanda e a autonomia de cada um dos elos das cadeias.
Historicamente, este problema gerou muitas tentativas de soluções, quase todas violentas. Alguns exemplos: a imperfeição do mercado (oligopsônio e oligopólio, tão nocivos que há legislação para coibi-los), a reserva de mercado (isto gerou guerras) e a verticalização da produção (isto gerou perda de produtividade).
Nas cadeias de produção economicamente saudáveis, há uma intensa luta de interesses entre os seus elos. Caso ela seja pacífica, certamente há uma relação de dominação de um elo, gerando dependência dos demais, em geral com nefastas conseqüências a longo prazo.
Um exemplo clássico de integração da cadeia de produção é a indústria automotiva. Poderia ser de outra forma se em torno das montadoras gravitam indústrias de autopeças completamente dependentes delas? O que é uma exceção é alardeado como regra.
Este pequeno preâmbulo foi feito para combater a idéia muito divulgada pelos produtores de software de que a integração da cadeia de produção é fruto dos sistemas de informação. É o contrário: o uso da tecnologia da informação tem servido tão somente como instrumento operacional de acordos comerciais entre os elos da cadeia.
Os ERP’s, sucesso a partir dos anos 90, tinham o grupo empresarial como âmbito de ação. Resolvida a integração dos processos internos dos grupos, os ERP´s começaram a mostrar suas insuficiências: era preciso interagir com fornecedores e clientes. Todavia, os processos de integração esbarram em grandes dificuldades: os “outros” têm ERP diferentes, o nível de maturidade em TI entre os elos é desigual, o timing das informações não é o mesmo, etc. Cada elo, em tese, é um “mundo” tecnológico próprio. Um pequeno exemplo destas dificuldades: uma grande fornecedora de ERP para grandes empresas, ao lançar sua versão para média empresa devido ao esgotamento de mercado original, tem usado como principal argumento de venda a vantagem que a média empresa terá em relação às demais por facilitar a integração com grandes clientes.
Os fornecedores de software se apressaram em apresentar soluções no sentido de alargar o escopo de suas soluções corporativas, incorporando a troca de informações de fornecedores e clientes. Por melhores que tenham sido os esforços nesta direção, as integrações são caras (muitas customizações), apresentam sérios problemas de performance e dificultam o controle operacional.
Isto posto, podemos entrar no assunto específico deste artigo: como tem sido feita a integração entre fornecedores e clientes no comércio eletrônico?
As pressões que impulsionam a integração neste mercado são as tradicionais: reduzir o prazo de reposição, aumentar o giro do estoque e entregar a mercadoria com prazos cada vez mais estreitos. Não há dúvida que tais benefícios somente são atingidos através do aperfeiçoamento dos processos logísticos.
Quais têm sido as ações das grandes lojas virtuais para atingir estes objetivos?
Podemos dividir tais ações em duas partes: compra (fornecedores) e venda (clientes)
A – Compra
As ações podem ser diferenciadas segundo a atividade do fornecedor (indústria, atacadista ou centro de distribuição corporativo).
1 – Vender e depois comprar (indústria)
A indústria compromete-se a entregar a quantidade pedida de um item num prazo extremamente curto e preestabelecido tão logo receba o pedido de compra da Loja. O fornecedor é acionado pelo sistema de Back-office da Loja, quando da aprovação de pagamento do pedido de venda capturado pelo Site. Automaticamente, ele gera o pedido de compra ao fornecedor e a este cabe remeter a mercadoria ao centro de distribuição da Loja. O sistema de Back-office, ao receber a mercadoria evita a armazenagem, direcionando-a à área especifica para facilitar o picking (cross docking). Atenção, estes acordos são feitos por item.
2- Vender um pedido de compra (indústria)
Trata-se de uma variante do caso anterior. A loja considera o saldo do pedido de compra como parte integrante de sua disponibilidade de estoque. A pressão sobre o fornecedor é menor e o prazo de entrega do pedido do cliente é condicionado ao prazo de entrega do pedido de compra. Atenção: considerar os pedidos de compra como parte da disponibilidade não é trivial.
3 – Vender o estoque do centro de distribuição
Esta possibilidade somente é válida para lojas virtuais pertencentes ao grande varejo. O Site, além de contar com o estoque que está em seu centro de distribuição, tem a possibilidade de vender o que se encontra no centro de distribuição corporativo, compartilhando este estoque com a rede de lojas físicas. Neste caso, o sistema de Back-office da Loja mantém complexas interfaces como o sistema corporativo da rede.
4 – Vender o estoque de um distribuidor
O Site consulta o estoque do distribuidor quando do fechamento do pedido do cliente e solicita ao distribuidor a reserva da mercadoria. O sistema de Back-office da Loja, de posse da resposta do agente financeiro sobre o pagamento, gera o pedido de compra correspondente ao pedido do cliente. O distribuidor sumariza a demanda num determinado horário e entrega a mercadoria no centro de distribuição da Loja. Ao receber a mercadoria, o sistema de Back-office “sabe” qual pedido de venda que solicitou a compra e dispara o processo de atendimento físico.
Este acordo abrange uma quantidade enorme de itens permitindo que a Loja aumente a diversidade de seus itens sem que tenha estoque.
5 – Vender o estoque de um distribuidor-expedidor
Trata-se de uma variante do caso anterior, porém mais sofisticado. A expedição da mercadoria ao cliente é feita por um posto avançado de emissão de nota fiscal da loja virtual situado no distribuidor. O sistema de Back-office da Loja, ao receber o fluxo de informação da nota fiscal de venda do distribuidor (EDI), atualiza o pedido de compra correspondente, atualiza o estoque, reserva o estoque dos pedidos de venda que originaram a compra e emite a nota fiscal de venda no posto avançado. Com este procedimento evita-se: o transporte do distribuidor até o centro de distribuição da Loja e toda a logística interna.
B – Venda
O processo de atendimento dos pedidos dos clientes, desde ao seu fechamento no Site até a entrega ao cliente, incluindo a reversa em caso de devolução, é integralmente monitorado pelo sistema de Back-office. Este monitoramento permite a detecção de desvios operacionais e a programação de processos corretivos ou de alertas para tarefas a serem realizadas pelos operadores. Os emails recebidos pelos clientes e o demonstrativo do atendimento exibidos pelo Site são frutos do workflow do sistema de Back-office.
A qualidade da integração com os clientes é crucial para o sucesso do comércio eletrônico. Neste sentido, as entregas estão sendo diferenciadas a fim de atender às características dos clientes:
1 – Entrega expressa
Desde que o pedido seja aprovado até às 15 h, a entrega será concluída até às 22 h do mesmo dia – típica de clientes “esquecidos”
2 – Entrega agendada
O cliente escolhe a data e intervalo de tempo em que a entrega deve ser realizada – típica de clientes com problemas de recebimento
3 – Entrega associada a serviço de instalação
Para clientes que compram algum equipamento e não sabem como instalá-lo (informática, móveis etc)
A reversa é o ponto crítico do comércio eletrônico. Se malfeita, a dura conquista do cliente é perdida.
4 – Devolução
O sistema de Back-office emite uma nota fiscal de entrada para que a transportadora trafegue com a mercadoria devolvida e gera o crédito, sem liberá-lo. Somente na chegada da mercadoria no centro de distribuição, o crédito é liberado.
5 – Troca
Trata de um caso particular de devolução. O cliente, ao invés de solicitar o crédito, pede a troca por outro item de valor menor ou igual. O sistema de Back-office gera o novo pedido além de crédito na troca por valor menor. Na chegada da mercadoria no centro de distribuição, o crédito e o pedido são liberados.
Como se nota, o sistema de Back-office se integra com os sistemas dos fornecedores e com o sistema corporativo da rede de lojas físicas. As seguintes informações são trocadas: item, estoque disponível, pedido de compra, aprovação/rejeição do pagamento, cancelamento do pedido por parte do cliente e nota fiscal de venda do fornecedor. Com os clientes, mais do que uma integração, há uma interação através de email, chat, telefone e fax.
Concluindo, por ser extremamente baseado em tecnologia e ser obrigado a ter um ritmo acelerado em todo o processo de venda, o comércio eletrônico está inovando ao estabelecer novos padrões de funcionamento na cadeia de suprimentos. A integração não está sendo gerada apenas pela força de um dos elos, mas também pela viabilidade deste novo canal de vendas.
Fernando Di Giorgi
Publicado em https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/integracao-da-cadeia-logistica-no-e-commerce/ em 10 de janeiro de 2011