Comércio eletrônico: uma abordagem diferencial

Neste artigo vamos descrever algumas características funcionais típicas de lojas virtuais com alto volume de venda (com uma base de atendimento de mais de 2 mil pedidos por dia), tomando como referência as mesmas funções na indústria ou comércio tradicional. A finalidade deste conteúdo é mostrar que o Back-office do comércio eletrônico é substancialmente diferente do ERP tradicional.

Nem todas as funções foram abordadas no texto, portanto, não há a pretensão de esgotar o assunto. Demos privilégio às funções ligadas ao atendimento de pedidos e distribuição. Confira agora os principais itens:

Tipo de cliente

As lojas virtuais de alto volume destinam-se majoritariamente a consumidores ? pessoas físicas. Esta característica tem grandes implicações: dificuldade de identificação dos clientes, endereços de entrega que podem mudar a cada compra, sobrecarga no pós-venda, dificuldade na definição do perfil dos clientes, poucos recursos para personalização do atendimento etc.

Investimento em TI

Um traço altamente distintivo das lojas virtuais de alto volume é a quantidade mensal de pedidos de venda. Este massa de dados exige alto investimento em hardware, linhas de comunicação, segurança, processos com alta performance e meticulosa administração do banco de dados.

A parada do sistema equivale a fechar as portas da loja para os clientes, ou seja, a perda de mais de 250 vendas por hora. Tanto a Web Store quanto o Back-office integral, são sistemas de missão crítica.

Prazo de Entrega

Uma das exigências mais elementares do comércio eletrônico é o cumprimento da data de entrega prometida ao cliente: quanto mais curto o prazo maior a vantagem da loja.

Há duas grandes etapas que determinam o prazo de entrega: o transit time e o tempo de atendimento físico do pedido.

O primeiro independe da loja e o segundo é dependente da eficiência do processo de atendimento (físico e lógico) ao qual o pedido é submetido: análise de risco, aprovação do pagamento, inclusão na programação da expedição (função da janela de expedição), separação, empacotamento, faturamento e expedição.

A administração desta linha de montagem assemelha-se ao controle de shop floor com sensores monitorando os processos em tempo real. Para se ter uma idéia de tais prazos, em média, o processo interno de atendimento tem duração máxima de um dia.

Itens e SKU

É irresistível conter o crescimento da diversidade de itens, desta forma, não é difícil ultrapassar 30.000 SKUs (item-embalagem). Do ponto de vista logístico, as conseqüências do aumento da diversidade são dramáticas, principalmente quando não se concentra em itens com a mesma geometria (CD, DVD, livros).

Foi-se o tempo em que as LVAV vendiam apenas mercadorias. Agora, serviços e créditos também estão sendo vendidos: e-music, garantia estendida, vale presente, game, instalação de software, montagem de móveis etc.

Tais itens têm um comportamento anômalo subvertendo a cadeia clássica de processos de atendimento e, para complicar, relacionando-se estreitamente com agentes externos (licenciadores ou prestadores de serviço).

Disponibilidade de Estoque

Uma regra básica para o cumprimento da data de entrega prometida é a preexistência da mercadoria vendida em estoque. Uma forma alternativa e audaciosa seria trabalhar com estoque virtual, ou seja, admitindo a disponibilidade como a soma dos pedidos de compra ao estoque físico.

Para colocar essa forma alternativa na prática sem contratempos, há necessidade de acordos com fornecedores especialmente selecionados, um sistema que permita a comunicação imediata das demandas aos fornecedores e o encaixe dos recebimentos aos pedidos correspondentes sem qualquer intervenção humana.

Quantidade mínima de venda

Lucrar com ticket médio baixo e entrega em domicílio é uma façanha. Normalmente, os custos fixos comerciais geram quantidades mínimas de venda – exceto se a venda for no balcão, onde o custo de distribuição corre por conta do cliente.

Esta é uma das principais razões que impõe o alto volume operacional: a concentração do mercado, melhoria contínua de processo e alto investimento em software-hardware.

Regras comerciais

A impessoalidade da venda obriga que as regras comerciais estejam embutidas no software, portanto, poucas e altamente padronizadas: preço, desconto, condições de pagamento, frete e data de entrega.

Há projetos que visam à fidelização do cliente através de pontuação a ser transformada em desconto, porém, ainda não estão em processo de disseminação pela web.

Como as formas de comercialização (regras de negócio) são elementos essenciais na captura de clientes, elas estão sujeitas a constantes alterações condenando o software à crescente complexidade.

As regras comerciais vigentes no comércio eletrônico são incomparavelmente pobres quando comparadas com aquelas usadas na mediação comercial realizada por vendedores ou representantes. Esta disparidade será gradualmente reduzida.

Análise de Risco – autenticação do cliente

O risco da loja virtual é por fraude. Para diminuir as fraudes, há programas desenvolvidos especialmente para esta finalidade. Estima-se que 5 em 100 deveriam ser retidos por fraude. Nas lojas físicas, o pagamento com cartão exige a senha e coincide com o faturamento, portanto, a possibilidade de fraude é muito menor.

Crédito

No comércio eletrônico, a concessão de crédito ao cliente é feita por um agente financeiro: administradora de cartões e/ou banco. Não há qualquer possibilidade de intervenção pessoal em relação ao crédito.

Na indústria, a análise de crédito de vendas a prazo precede o atendimento dos pedidos de venda e é realizada a partir de regras contidas no ERP (com uso do limite de crédito, a soma das duplicatas em aberto, a soma dos pedidos em carteira, o histórico de compras, histórico de pagamentos etc.).

Para casos duvidosos, há um departamento especializado que reavalia o crédito a ser concedido a partir de informações não estruturadas colhidas na praça.

Seqüência de atendimento dos pedidos

Nas indústrias que produzem para estoque, normalmente o atendimento de pedidos obedece a uma fila de precedência em função da data de aprovação. Há exceções, principalmente quando a carteira supera a disponibilidade de estoque, ou seja, a regra, embora exista, é administrável. Atrasos podem ser negociados através de contato com os clientes.

No comércio eletrônico não há esta possibilidade ? todos os pedidos são processados da mesma forma e na ordem de chegada. A indisponibilidade é punida com a perda do cliente por atraso de entrega ou cancelamento do pedido.

Parcelamento da entrega

O parcelamento da entrega é outra flexibilidade muito comum que deixa de existir no comércio eletrônico. A exceção é feita pelas lojas que declaram prazos de entrega por item (livrarias).

Há parcelamento da entrega, com permissão do cliente, por outros motivos logísticos: características físicas do item que implicam transportadoras diferentes, itens armazenados em diferentes depósitos, distintos prazos de entrega dos fornecedores, etc.

Pagamento antecipado

Pagamentos antecipados são raros nas indústrias e distribuidores. Normalmente, os pagamentos são feitos após entrega.

No comércio eletrônico ocorre o inverso: o pagamento, em sua maior parte, é feito simultaneamente à inclusão do pedido. O efeito disso é grave: aumenta a ansiedade dos clientes, torna a inclusão de pedidos um fato contábil e dificulta muito a reversão da compra.

Formas de pagamento

Um pedido pode ser pago por mais de uma forma pagamento no ato de sua inclusão: parte por cartão, parte por vales e o resto por financiamento. A tradicional condição de pagamento a prazo é substituída por diferentes composições de pagamentos à vista à loja ou parcelada pela operadora de cartão.

Cobrança

O faturamento no comércio eletrônico não gera duplicatas em razão do pagamento antecipado, exceto casos especiais de B2B. A remessa de duplicatas para cobrança e o retorno das liquidações são procedimentos normais em quaisquer contas a receber de indústria e distribuidores e, praticamente, inexiste no comércio eletrônico. Entretanto, reconciliar créditos de administradoras de cartões ainda é uma tarefa árdua por não ser normatizada.

Separação da mercadoria por pedido (picking)

Pontos como a grande variedade de SKU, a inexistência de SKU populares (constante em muitos pedidos) e a venda ao consumidor por unidade implicam o picking por pedido.

Teoricamente, todos os SKUs deveriam também ocupar posições de picking – o que nem sempre é possível, principalmente devido à escassez de posições de estoque. Em outros termos, as alterações no mix, do ponto de vista da logística interna, podem gerar complexos problemas operacionais por falta de espaço e sobrecarga no uso de equipamentos.

Programas de expedição

O firme compromisso com a data de entrega, se possível sua antecipação, obriga a logística a cumprir rigorosa agenda estabelecida com as transportadoras – caso contrário a penalidade seria o aumento das despesas com fretes e atrasos de entrega.

O cumprimento desta agenda exige estimativa de tempo e recursos a serem usados em função da demanda dos pedidos a atender de uma determinada rota cujas entregas estejam dentro de um período.

As ferramentas usadas para a programação são similares aquelas usadas na manufatura: atividades, roteiro de produção, tempos padrões, restrição de recursos, etc.

Picking no armazém x Picking no terminal de carga

O comércio eletrônico encurta a cadeia logística: do Centro de Distribuição a mercadoria é remetida diretamente ao cliente, evitando o estoque intermediário da loja física. Desta característica decorre a junção do picking com o packing no armazém.

Estas atividades exigem alto investimento em hardware e constante revisão de processos para que o alto desempenho esteja aliado à qualidade do atendimento.

A separação por SKU, aproveitando-se de caixas ou mesmo paletes, com transferência do picking para terminais dos transportadores ainda é privilégio de indústrias.

Documentos de saída

Além da obrigatória nota fiscal, há necessidade de facilitar o trabalho da transportadora em seu terminal de cargas com a etiquetagem dos volumes (número do volume do ponto de vista da transportadora, nota fiscal e número do volume do ponto de vista do embarcador) e a remessa de um arquivo contendo as notas fiscais embarcadas.

Além de baratear o custo da entrega, tais documentos evitam retornos ou extravios.

Foi-se o tempo que a transferência de responsabilidade da mercadoria para a transportadora era feita apenas através de um conjunto de notas fiscais e respectivos volumes referenciando notas.

Tratando-se de pequenos volumes em grande quantidade, a conferência do carregamento passa a exigir instrumentos mais precisos: coletores em rede de rádio freqüência.

Embalagem

Tal como em lojas normais, a embalagem pode ser normal ou para presente. Numa mesma compra, as unidades podem sem embaladas separadamente por desejo do cliente.

Ao presente, pode-se associar um cartão, com escolha do tipo de papel, e texto previamente digitado pelo cliente. Tais associações são sutis e exigem rígido sequenciamento operacional visto que são milhares de notas que passam seguidamente pelos checkouts.

Tradicionalmente, as funções da expedição são pouco atendidas pelos sistemas integrados e foco de desvio de carga, roubo e avaria. No comércio eletrônico, a expedição é intensamente controlada pelo WMS, condição necessária para dar qualidade ao atendimento de milhares de pedidos de venda.

Análise de rentabilidade e instrumentos gerenciais

O comprar e o vender estão sob uma mesma responsabilidade funcional segmentada por natureza de itens ? categorias de itens agrupadas em departamentos que podemos questionar:

  1. Como distribuir o capital de giro entre os departamentos?
  2. Como e com qual freqüência é preciso avaliar a margem?
  3. Como controlar a flexibilidade necessária para acompanhar ou tomar iniciativa em relação à concorrência em termos de preço, condições de pagamento, frete etc.?
  4. Quais seriam os indicadores para repor estoques considerando milhares de itens, parte deles com ciclo de vida efêmero (ex. CD, DVD, livro, vestuário)?

O instrumental clássico de informações executivas deve ter ciclo de atualização muito curto, no mínimo diário. As regras clássicas de reposição de estoque normalmente usadas não servem mais, ou melhor, servem apenas para reposição de materiais auxiliares (embalagem, etiqueta, fita adesiva, materiais de escritório etc.). Novos e sofisticados métodos de análise passam a ser indispensáveis para reduzir o capital de giro e não perder vendas.

Atendimento pós-venda

Um fator altamente diferencial do comércio eletrônico é de ordem legal. Além de se submeter à lei do consumidor, o cliente tem direito à devolução sem custos até sete dias contados a partir do recebimento.

É de se esperar que, pelo menos, quatro por cento das vendas retornem ao depósito. A grande maioria das devoluções deve-se a problemas logísticos, imprecisão na descrição dos itens e arrependimento.

O volume diário de chamadas dos clientes para o SAC considerando todos os canais (chat, e-mail, fone e fax) passa de 4 mil. Para registrar e monitorar estas chamadas há necessidade de um sistema específico profundamente integrado ao ERP. Esta íntima integração explica a dificuldade encontrada no uso de um CRM com a atribuição de atender integralmente às demandas dos clientes.

Um exemplo da importância desta integração é a troca de um bem por outro de menor valor: deve-se ficar na expectativa da devolução ao mesmo tempo em que se reserva o novo pedido e se gera um crédito com a diferença.

Quando ocorre o registro da devolução, o sistema deve imediatamente liberar o pedido para picking e depositar o crédito ao cliente.

Conclusão

Tem sido um erro conceitual classificar o comércio eletrônico tão somente como um novo canal de vendas a usar a mesma plataforma de gerenciamento e controle das lojas físicas ? as grandes redes de lojas físicas pagaram muito caro por este erro.

Por outro lado, a juventude do comércio eletrônico tem como conseqüência normal a instabilidade de seus processos e o aumento gradual da abrangência de sua utilização colidindo frontalmente com Back-office (plataformas) com baixo nível de flexibilidade.

Fernando Di Giorgi

Publicado em https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/comercio-eletronico-uma-abordagem-diferencial/ em 08 de janeiro de 2011

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