A tendência concentracionista do e-commerce

O objetivo deste texto é explicar como o processo de expansão do e-commerce afeta as pequenas redes de lojas e distribuidores. Para isso, é necessário entender o processo básico de negócio do e-commerce.

Com esta percepção é possível entender algumas das razões pelas quais as taxas anuais de crescimento das vendas do e-commerce têm sido bem maiores do que as de outros canais e a maior participação das despesas variáveis na estrutura de custos do e-commerce como responsáveis pela alavancagem.

  1. O processo de venda não presencial

A maioria das pessoas, inclusive empresários, não se dá conta da complexidade do processo de venda não-presencial. A idéia geral é que basta a captura do pedido através da internet (Web Store) e o débito do cartão junto às operadoras. O que há por trás da internet passa despercebido.

  • Quanto maior a compra, menor o preço

Como não poderia deixar de ser, o processo se inicia com as compras. Nesta atividade é possível notar grandes diferenciações entre os competidores: o poder de compra, a possibilidade de vender antes de comprar e o refinamento da sugestão de compra. Para se ter uma idéia da diversidade de itens, da dimensão das compras, basta citar que há lojas virtuais com mais de 200.000 itens com estoque!

  • O recebimento e a disponibilidade de estoque

O recebimento da mercadoria altera a disponibilidade de estoque comunicada à Web Store. O processo é tão rápido que, não raro, o pedido de venda chega antes da mercadoria ser armazenada mostrando a importância de se contar com um recebimento rápido e preciso. Conferida, a mercadoria deve se submeter à outra atividade crítica: o armazenamento, pois quem não sabe “guardar”, nunca vai “achar”. A inteligência e precisão do “guardar” determinam a segurança da entrega.

  • O fechamento do pedido e a transferência para o BO

O pedido de venda, após seu fechamento na Web Store é transferido ao sistema de Back-office (BO). Ele centraliza o controle de todos os seus estágios de atendimento dos pedidos. Este controle permite posicionar o cliente, interromper o fluxo de atendimento em caso de cancelamento e alertar operadores em casos de irregularidade que comprometa a data de entrega prometida.

  • Os procedimentos preliminares do atendimento

Sob controle do BO, o pedido é submetido a Analise de Risco (prevenção de fraudes), em seguida, o pedido reserva estoque e remete os meios de pagamento ao Gateway de Pagamento (interação com as operadoras de cartão e com os bancos,). Ambas as atividades são executadas por softwares especialistas externos cobrando uma taxa por pedido, porém, o preço unitário é função do volume.

Até aqui, todas as atividades são “lógicas”, ou seja, executadas exclusivamente através de softwares.

  • O atendimento físico

O pedido reservado é remetido ao atendimento físico: coletar a mercadoria requisitada, emitir a nota fiscal, confrontar a mercadoria com a nota, embalar de acordo com a preferência do cliente, emitir cartão presente e posicionar os volumes na doca correspondente à transportadora.

Tais atividades parecem óbvias, porém, tornam-se muito difíceis se pensarmos em alto volume obedecendo a tempos padrões rigorosos – há lojas que atendem mais de 60.000 pedidos num só dia contando com o trabalho de mais de 1.500 pessoas!

A precisão e a rapidez em alto volume exigem os recursos de Sistema de Gestão de Armazém (WMS) que possibilite processos de separação especializados.

Caso uma unidade de um item requisitado por um pedido não seja encontrada na posição de estoque indicada pelo sistema, imediatamente, o módulo de controle do atendimento de pedido aciona o operador para a regularização.

Pode-se notar como os investimentos em processos são importantes em função do aumento da escala de produção.

  • O transporte

Há três idéias comumente aceitas e equivocadas: (i) a conta frete fecha (ii) em caso de atraso na entrega a responsabilidade é da transportadora (iii) embarcou, está entregue.

A prática comercial de frete grátis, as devoluções de venda e o desconhecimento do frete a pagar quando da atribuição do frete a cobrar tornam a conta de frete deficitária.

Para o cliente não importa a causa do atraso, para ele, quem atrasou a entrega foi quem vendeu. Dessa forma, o acompanhamento da pontualidade das entregas é fundamental para a imagem da loja.

Há muitas exceções no processo de entrega: o cliente não quis receber, o endereço não foi encontrado, o cliente estava ausente, a mercadoria foi extraviada, roubada ou avariada. Para cada um destes casos, a loja deve estar ciente e intervir.

Conhecer o frete a pagar para balizar o frete a cobrar, acompanhar o desempenho das transportadoras e monitorar o processo de entrega são atividades que exigem software específico e interfaces com todas as transportadoras envolvidas.

Embora as despesas com frete sejam fixas por pedido, quanto maior a quantidade de pedidos, menor será o preço unitário que as transportadoras cobram. Em outros termos, as pequenas lojas pagam muito mais pelo frete do que as grandes.

  1. O lucro marginal do e-commerce

A grande vantagem do e-commerce é sua escalabilidade, ou seja, o aumento do volume de venda tem pouco reflexo na despesa fixa total. Na rede de lojas físicas, aumentar as vendas gera a necessidade de abrir mais pontos de distribuição cada um deles com despesas fixas (aluguel, impostos, pessoal, manutenção, utilidades etc) numa proporção muito maior do que no e-commerce.

Quando uma loja virtual passa a ter controle completo dos processos de compra, da logística interna (armazém) e externa (transporte), do atendimento ao cliente (SAC), o adicional de volume passa a ter lucratividade crescente.

A rapidez da diluição das despesas fixas em função do crescimento do volume explica a voracidade das grandes lojas em crescer através da propaganda, de aquisições e fusões.

  1. As grandes redes físicas e o e-commerce

O grande varejo demorou a descobrir o e-commerce e as lojas puramente virtuais dominaram o mercado. Apenas nos últimos cinco anos os grandes distribuidores começaram a entender o e-commerce como um canal de vendas com regras específicas de funcionamento, ao invés de considerá-lo apenas como mais uma loja da sua rede.

Esta mudança, de modo prático, traduziu-se na independência comercial, logística e de TI do e-commerce em relação aos serviços preexistentes na rede. Não ficaram tão leves como as lojas puramente virtuais, mas se aproximaram muito deste modelo.

Esta mudança administrativa mudou o mercado, o e-commerce do grande varejo tem ganhado crescente participação através do aproveitamento do poder de compra, da capacidade de investimento da rede e, principalmente, da confiabilidade e conhecimento da marca.

A rede passou a vender onde não tinha ponto de venda e, melhor, onde o concorrente tinha um ponto de venda dominante – a reserva territorial de mercado determinada pelo ponto de venda começou a mostrar sua vulnerabilidade. Não é difícil concluir que as pequenas redes de lojas físicas vão passar por crescentes dificuldades.

  1. Os distribuidores e o e-commerce

Como uma livraria de uma pequena cidade do interior conseguirá sobreviver?

O que o distribuidor-atacadista de livros fará para evitar a esmagadora pressão de poucas livrarias virtuais com grande volume e abrangência de vendas? Podemos trocar livros por vestuário, calçado ou outra categoria que a preocupação é a mesma.

Há ameaças reais ao pequeno negócio, porém, apesar de tudo, ele tem dado mostras de incrível resistência, graças à criatividade daqueles que querem ter negócios próprios, inclusive, estimulados pela preferência de seus clientes (embora pouco falado, o provincialismo existe).

Segue um exemplo de contra-ataque dos distribuidores frente à concentração das grandes redes:

  1. o atacadista passa a atuar tal como uma loja virtual completa;
  2. a Web Store do atacadista passa a ter tantas sub-loja quantos forem seus clientes preferenciais, todas sob controle de um BO;
  3. cada uma das “lojas” da Web Store passa a ter o logo e endereço de um varejista – a pequena loja da pequena cidade “torna-se” também uma loja virtual com a disponibilidade de estoque do atacadista;
  4. os clientes cativos do varejista, ao invés de comprarem de uma grande loja virtual, passam a comprar da loja virtual de onde sempre compraram favorecendo a receita local;
  5. o atacadista atende ao pedido e vende ao varejista;
  6. a mercadoria pode ser entrega na casa do cliente ou no endereço do varejista.

Com isso, o distribuidor continua atendendo o pequeno cliente e melhora sua condição de negociação com os grandes varejistas.

Fernando Di Giorgi setembro de 2010

https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/a-tendencia-concentracionista-do-e-commerce/ em 14 de janeiro de 2011

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