O comércio eletrônico tem tendência natural a se globalizar. Após o período de amadurecimento dos clientes e de todos os prestadores de serviço, da estabilização dos principais processos físicos e de software, as grandes lojas preparam-se para tirarem proveito de seus investimentos e competências adquiridas instalando lojas em outros países. Algo parecido com a expansão das lojas físicas deve acontecer com as lojas virtuais onde a base territorial de cada uma é condicionada por fatores muito mais amplos. Este artigo tem por objetivo descrever as razões deste movimento.
1. A vocação globalizada
Em tese, não há limites territoriais para uma loja virtual. Mercadorias de consumo global como livros, filmes, música e perfumes podem ser compradas no mercado internacional com pagamento suportado por operadoras de cartão de crédito de âmbito mundial e contando com serviços de transporte de encomendas expressas que atendem todas as partes do mundo. Todavia, há barreiras que circunscrevem o mercado: as restrições alfandegárias, a geografia industrial, a rede logística dos produtores, as despesas com transporte, o prazo de entrega, a política cambial, as características locais de consumo etc.
2. Investimentos e know how: facilidade em replicar o sucesso
Os investimentos básicos de uma loja virtual podem ser divididos em software, infra-estrutura de hardware, logística e conhecimento.
Software
De longe, o maior investimento de uma loja virtual é o software. Ele pode ser dividido em duas partes: o site (front-end na Web) e o back-office.
O software do site é composto por funções padronizadas – basta notar que quase todas as lojas virtuais realizam as mesmas tarefas, diferenciando-se entre si pela facilidade de navegação, aparência, beleza, desempenho etc. – já há pacotes disponíveis contendo as principais funções do site. A tendência é mantê-lo “leve” com as funções comerciais e mercadológicas estritamente necessárias, transferindo ao máximo a complexidade para o back-office. Com isso, minimiza-se o risco de o site ficar inacessível e/ou lento pela redução da freqüência e amplitude das manutenções – até as funções de análise de crédito e pagamento estão sendo retiradas do site.
O back-office encarrega-se do atendimento do pedido de venda capturado pelo site, desde o fechamento do carrinho, incluindo a entrega da mercadoria ao cliente, até a serviço de pós-venda. É composto pelas seguintes peças de software: ERP, WMS (gestão de armazém), SAC (atendimento pós-venda) e Gestão de Transportes (controle externo do fluxo da mercadoria). O back-office é muito extenso e absorve a maior parte das alterações funcionais da loja virtual.
A independência do site em relação à mercadoria, do ponto de vista físico e das normas fiscais que regulam a venda, permite-o ser usado em qualquer país, salvo erros de escopo. Esta é a diferença mais significativa da expansão das lojas virtuais em relação à expansão de lojas físicas: não há escolha do ponto, investimentos em instalações físicas, despesas com pessoal a serem, licença de software de frente de loja, linha de comunicação de dados, manutenção das instalações etc.
Hardware
O comércio eletrônico demanda pesados investimentos em hardware (servidores e linhas de comunicação) para manter o site com bom desempenho. Para se ter uma idéia deste tipo de investimento, basta imaginar que, com uma taxa de conversão em venda é de 2% dos visitantes e, admitindo 20.000 pedidos por dia, tem-se 1.000.000 de internautas que entraram no site diariamente.
Por outro lado, cada um dos 20.000 pedidos do dia provoca a execução, em menos de 24 h, de todo o módulo comercial do back-office, todas as funções básicas do WMS e da Gestão de Transporte. Todavia, com poderosas linhas de comunicação de dados e dezenas de máquinas virtuais em servidor centralizado são capazes de atender várias grandes lojas virtuais. Esta centralização, reduz o investimento em hardware, reduz as despesas de hospedagem e com pessoal especializado de infra-estrutura: administração do banco de dados, segurança de acesso, homologação e aplicação de patches, vigilância contra-ataque de hackers etc.
Ter mais lojas não implica descentralizar a aplicação tampouco a infra-estrutura, ao contrário, permite enormes ganhos de escala.
Logística
Para encurtar o prazo de entrega, evitar perda de venda devido ao valor do frete e atender às características da demanda local é necessário que as mercadorias sejam armazenadas em depósitos próximos dos consumidores. Isto implica contar com depósitos locais. Os custos da logística inbound (aluguel, mão de obra, equipamentos, estruturas de armazenagem e o custo do estoque) são despesas incorridas a cada depósito da rede. Detalhe: um depósito pode servir a mais de uma loja virtual, cada uma com sua bandeira própria.
Know how
É inquestionável que contar como softwares funcionalmente maduros e com desempenho testado com alto volume de transações; ter qualidade e rapidez comprovadas em todas as etapas do atendimento físico dos pedidos e ter capacidade de responder adequadamente às anormalidades das entregas são competências desenvolvidas pela organização ao longo do tempo com a contribuição de inúmeras pessoas. Este know how, parte cristalizado na aplicação, é bem compartilhado por todas as lojas. Várias lojas podem ser gerenciadas por uma mesma equipe de serviços corporativos (contas a pagar, contas a receber, contabilidade, auditoria etc).
Independência do processo em relação aos seus agentes: serviços locais
Uma as exigências do comércio eletrônico é o trabalho em rede. O processo, controlado centralizadamente, é fracionado entre muitos agentes: entidades financeiras, seguradoras, empresas especializadas em análise de crédito, fornecedores com acordos de cross docking, operadores logísticos, transportadoras, atendimento pós-venda etc. A funcionalidade de cada agente é preestabelecida pelo software de integração (workflow e integração de sistemas) tornando o processo independente de cada um deles. Como a maioria dos agentes têm atuação local, o surgimento de uma nova loja abastecida por um novo depósito pode ser instalada sem qualquer alteração no núcleo central da operação.
3. Diferenças regionais
Há restrições à globalização de lojas virtuais. Seguem algumas delas:
Alfandegárias
Os impostos incidentes nas importações, os custos da documentação e prazo para o desembaraço podem inviabilizar a compra de uma loja virtual estrangeira. As empresas internacionais de cargas expressas têm reduzido muito o tempo de entrega devido ao aumento da carga e, em vários países, o desembaraço vem sendo facilitado para alguns tipos de mercadorias e valor da importação.
Fiscal
A mais evidente é a regulamentação fiscal própria de cada país a ser obedecida nas operações comerciais, financeiras e contábeis. Esta peculiaridade atinge frontalmente o módulo comercial (compra e venda) e contábil do ERP.
Lei de proteção do consumidor
As leis que protegem o consumidor são próprias de cada país e afetam diretamente o pós-venda. A política de trocas e devoluções deve ser adaptada com impacto no módulo da SAC.
Conhecimento do mercado local
A venda pressupõe o conhecimento do mercado no qual se realiza, isto implica a contratação de profissionais locais com esta competência. Os itens a serem oferecidos, as campanhas promocionais, a propaganda, a sensibilidade do mercado aos fatores da política comercial etc., são próprios de cada país.
4. Estratégia de globalização
O processo de globalização das grandes lojas virtuais deve depender da natureza delas. As puramente virtuais (não associadas à uma rede de lojas físicas) devem comprar lojas virtuais locais. As lojas já associadas a uma rede física deverão tirar proveito da globalização anteriormente realizada pela própria rede.
O que, intrinsecamente, era uma vocação, agora deve se realizar em sua plenitude.
Fernando Di Giorgi janeiro de 2010